Em cada fase da nossa civilização os seres humanos convivem com diferentes tipos de medo. Normal. O medo inclusive é um indicador que protege as pessoas de determinadas loucuras. Gente sem medo se expõe, se arrisca em situações que podem trazer problemas para ela e para os outros.
Só que nesse atual momento da História as pessoas estão sofrendo tantas influências que o medo também está sendo abalado. Esses dias, falei para uma conhecida que estava acompanhando as previsões meteorológicas. Estava chovendo. E antes que eu terminasse, ela disse: nem quero saber, tenho até medo de saber.
Estamos vivendo desafios que há bem pouco tempo não existiam. Está tudo mudando muito rápido em pouco tempo. A tal ebulição climática está provocando já efeitos impensáveis anos atrás. Enquanto acompanho a tragédia do Vale do Taquari – já são 49 mortes e ainda 9 desaparecidos – olho para o céu e vejo no horizonte um nublado estranho. É o efeito da fumaça das queimadas da Amazônia!
“A tendência é que a fumaça siga sobre o Rio Grande do Sul até o fim de semana, uma vez que no período persistirá a influência de uma corrente de jato (vento) em baixos níveis da atmosfera no interior do continente, trazendo a fumaça da Amazônia, Bolívia e o Centro-Oeste do Brasil para o Sul’, informa o site da Metsul. É o primeiro corredor de fumaça que chega no Rio Grande do Sul este ano.
A cada dia surgem novas informações sobre a situação climática. Algo que cada vez mais gente que tem noção da complexidade dos impactos sabe que a civilização do jeito como é corre perigo. E a localização do Rio Grande do Sul é propícia a eventos extremos, como granizo, ciclones, estiagens. Claro que dá medo. Mas o que fazer para lidar com ele?
Tenho acompanhado algumas reportagens e participações do pessoal do Centro Polar e Climático da Ufrgs que tem alertado sobre as peculiaridades desse novo tempo. Vale muito assistir a matéria onde o professor Francisco Aquino foi um dos entrevistados na RBSTV. Acredito que saber se a fonte da informação é confiável é o primeiro ponto a considerar.
Enquanto isso, a maior parte da mídia, dos influenciadores, de tudo que circula para as pessoas saberem o que está acontecendo, os reais perigos passam longe. São criadas “narrativas’ que ignoram situações que devemos nos prevenir. O cuidado e a atenção são elementos raros na vida corrida dos moradores dos grandes centros.
Todo dia surge um novo golpe vindo por email ou alguma rede social. Os governos, que deviam zelar pelo bem de todos, não acompanham as novidades e os novos perigos que a Ciência descobre: a crise climática provoca danos crônicos e agudos, de curto, médio e longo prazo.
Se você já está pensando onde passar suas férias, já considere: o verão será escaldante no Brasil. Alguns veículos de circulação nacional deram no dia 20/09: “A combinação de calor recorde nos oceanos e a continuidade do fenômeno El Niño até março de 2024 sugere um verão com máximas inéditas,” saiu na Folha de S.Paulo. Além do calorão – que é muito mais letal para crianças, idosos entre outros vulneráveis – teremos chuva demais na região Sul e de menos no Norte e Nordeste.
Ou seja, saber o que dizem os climatologistas significa livrar você de muitas roubadas. Significa enxergar muito além do horizonte. Só que um dos pontos mais complicados é que as pessoas também não querem saber ou têm dificuldade de entender questões complexas. Ainda mais quando o nosso sistema econômico, onde estamos inseridos, não quer que saibamos o significado da “ebulição climática”. E tem gente que cai em fake news como um patinho, mesmo sabendo que precisa desconfiar de tudo que enviam pelo WhatsApp. Que tempos! O letramento sobre o clima é urgente, ainda mais nas redações dos veículos que procuram ter compromisso com a sua credibilidade.
Li um artigo ultra lúcido sobre esse contexto. O texto no The Guardian aborda o quanto a indústria de notícias no mundo não está respondendo à verdadeira escala e perigo do aquecimento global. Confesso, que disso, tenho medo. Da falta de noção dos editores, dos repórteres, dos produtores. Tenho acompanhado muita cobertura que ora vira espetáculo, ora histórias que te levam a lugar nenhum. Não temos tempo a perder.
O texto toca em questões sobre o papel do jornalismo nesses tempos de altas temperaturas frequentes. O ano mais quentes da história das medições é este que estamos atravessando. “Mudanças dramáticas no clima tornaram inevitável o aumento da cobertura noticiosa de condições meteorológicas extremas. Mas explicar a ligação do clima às condições meteorológicas extremas é uma tarefa diferente. Ligar as mudanças climáticas às decisões tomadas pela indústria e pelo governo, que sobreaqueceram o planeta, é onde a cobertura noticiosa deve terminar”. O jornalista que entende para onde está indo o bonde da história precisa de coragem e entendimento do quanto todas as pautas estão interligadas.
“Com o planeta em chamas, ter mais e melhor cobertura de notícias é, em si, uma solução climática essencial. Mas só quando o público em geral compreender o que está acontecendo, o porquê e o que precisa de ser feito, é que um número suficientemente grande de pessoas poderá obrigar os governos e as empresas a mudar de rumo. Muitos meios de comunicação fizeram progressos significativos nos últimos anos.
Mas a indústria de notícias como um todo ainda não consegue igualar a escala da crise com o tipo de cobertura necessária. Até que isso aconteça, o jornalismo decepcionará nossos leitores, telespectadores e ouvintes – e deixará a Netflix e Billie Eilish cuidarem de um trabalho que cabe a nós.” Assim encerra o artigo assinado por Mark Hertsgaard, diretor executivo da CCNow, autor e correspondente ambiental do The Nation, e Kyle Pope, editor e editor da Columbia Journalism Review, fundadores da Covering Climate Now.