Ouvir relatos sobre vários lados dos impactos dos eventos extremos da boca de tomadores de decisão das localidades afetadas. Ficar sabendo de histórias pessoais, dramáticas, que estão abalando a saúde mental de gente de todas classes sociais. E, em meio a tudo isso, saber o quanto há falta de recursos (pessoal, dinheiro etc.) e capacitação para a prevenção e atendimento às populações em tempos de crise climática. De quebra, ainda conhecer gente que está realmente preocupada em enfrentar os mega desafios da maior crise planetária de todos os tempos.
Tudo isso e muito mais foi proporcionado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, que promoveu nos dias 22 e 23 de novembro o Seminário “Realidade das Mudanças Climáticas: os Desafios da Governança e da Reconstrução”. Dois dias de intenso aprendizado que pode ser assistido no YouTube do MP. O evento contou com a presença dos governadores Eduardo Leite (RS) e Renato Casagrande, do Espírito Santo, que é o presidente do Consórcio de governadores pelo Clima.
O momento não podia ser mais oportuno. O Estado gaúcho enfrenta a maior enchente da sua história em vários pontos ao mesmo tempo. Segundo a Defesa Civil, às 20h30 de quinta, dia 24, encontravam-se 24.100 desalojados, 3.837 pessoas em abrigos e 194 municípios com ocorrências de destruição. A experiência das tragédias desse ano traz à tona muitas questões. Perguntas precisam feitas. E, para encontrar as respostas, um longo caminho deverá ser percorrido. Sente só as respostas do governador Leite na coletiva que participei e fiz algumas perguntas.
Para quem acompanha o tema, o seminário promoveu esclarecimentos sobre situações de emergência e a atuação da defesa civil e muitos outros aspectos. No RS, a Defesa Civil, muitas vezes, é o exército de um homem só. É uma indicação política, CC, que, ao terminar o governo, todo o conhecimento e dados vão embora. Falta gente para trabalhar nos órgãos de governo em praticamente todas as esferas, tanto para a prevenção quanto para o atendimento às vítimas. A entrevista que fiz com o Coronel Cesar, diretor da Defesa Civil de SC, explica mais essa situação.
Para mim, ficou nítido quem é quem nesse jogo de regras complicadas. Em grande parte das vezes, depois de tragédias, fica o empurra-empurra. Um jogando para o outro as responsabilidades. E aí entra o litígio climático. Se os MPs fizerem o que a carta lançada no final do evento aponta, a sociedade de hoje e as futuras gerações serão beneficiadas. Confere abaixo do texto a íntegra da Carta de Porto Alegre.
Tem gente que ainda não percebeu que quem dá as cartas é a natureza, que se expressa através de suas diferentes formas de funcionamento. E os estados da região Sul são os mais vulneráveis a desastres climáticos por uma conjunção de fatores. Os pesquisadores das ciências ambientais e climáticas mostraram o quanto o contexto está cada vez mais complicado, pois em vez de diminuir, está aumentando as emissões de gases de efeito estufa.
Recomendo assistir as entrevistas que fiz no meu perfil do Instagram (@silmarcuzzo). Aliás, sugiro que me siga por lá. Tenho centenas de entrevistas (na verdade, nunca contei). Um dos momentos mais tocantes do seminário foi a palestra de Sérgio Diefenbach, promotor de justiça de Lageado e responsável pela Promotoria Regional Ambiental da área atingida pela enchente no Vale do Taquari. Vale ver o vídeo com ele, pois é um resumo da fala que encerrou o primeiro dia da programação.
Acredito que esse seminário – e tudo que ele promoveu – sela um avanço significativo para o enfrentamento da crise climática. E aí se inclui o lançamento do Manual Desastres Socioambientais e Mudanças Climáticas (ilustração ao lado), preparado por membros do MP de vários estados, organizado pelo Conselho Nacional do MP. Entrevistei a organizadora da publicação, a promotora Tarcila Gomes, confira aqui.
Estimo muito que o MP gaúcho consiga melhorar a situação do RS. Confesso que cheguei a ficar constrangida em ver o governador apresentar o mesmo PPT e falar as mesmas coisas que o vice Gabriel Souza apontou um dia antes. Uma esperança é a criação do Gabinete de Estudos do Clima, o GabClima, ligado ao Procurador Geral do Estado, Alexandre Saltz. A Sílvia Cappeli assumiu o posto. Também fiz uma entrevista na qual ela conta os planos do novo cargo.
Os impactos do individualismo
Enquanto o evento transcorria, foram divulgadas notícias que endossam a importância do que foi tratado. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou que quase todos os brasileiros percebem as mudanças climáticas e acreditam que as ações humanas são responsáveis por elas. No entanto, segundo o mesmo levantamento, nem todos entendem a gravidade da crise climática. A notícia saiu no Jornal da Globo.
Segundo a pesquisa, 94% das pessoas sabem que estamos passando por uma mudança climática e 91% entendem que o fenômeno é causado principalmente pela atividade humana. Em contrapartida, apenas 56% acreditam que isso seja grave. Ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, onde o posicionamento político e o grau de escolaridade determinam se a pessoa acredita na mudança do clima e na gravidade dela, no Brasil é o grau de individualismo.
“Cidadãos mais individualistas que acreditam que não tem solução coletiva para os seus problemas, que têm de lidar com eles sozinhos, que não acreditam que as instituições políticas, por exemplo, vão trazer uma solução para os problemas, tendem a acreditar menos que a mudança do clima é um problema grave”, explicou o professor titular da Escola de Relações Internacionais da FGV Matias Spektor.
Foto da Capa: Governador Eduardo Leite, o procurador-geral de Justiça, Alexandre Saltz, e o governador do Espírito Santo Renato Casagrande. Crédito: MPRS