De uns tempos para cá, a gente tem lido e ouvido muito sobre estratégias de comunicação, gestão de crises, construção de narrativas, cuidados com a reputação, fortalecimento de marcas, monitoramento de mídias…Tudo responsabilidade dos especialistas em comunicação da iniciativa privada e do setor público. Praticamente todos os anos, temos disputas acirradas das agências de comunicação para ver quem conquista polpudas contas do governo federal.
Às empresas vencedoras das licitações cabe a contratação de profissionais que assumem a responsabilidade de planejar e executar a política de comunicação do órgão para o qual foram designados.
Como os próprios CEOs e outros heads das agências dizem, quase diariamente, a tarefa – entrega, para ficar mais próximo do jeito de se expressar desses especialistas – mais difícil e, por isso mesmo, mais importante de uma equipe de comunicação é a antecipação, a prevenção de crises que possam tisnar a imagem de uma instituição, de uma pessoa, de um governo.
Pois o governo federal tem uma nova mancha na sua reputação. Mancha impressa pela crise do assalto às contas de aposentados e pensionistas do INSS, talvez a pior que o presidente Lula enfrente até o fim do mandato. Descaso, incompetência e ela, sempre ela, a corrupção são os ingredientes de sempre a azedar a relação do governo com a comunidade. Além da incúria, a lentidão oficial para dar uma resposta firme às vítimas do esbulho agravou o problema. Agora, vai ser preciso muita entrega para apagar essa nódoa no currículo do Lula III.
E, de mocinho, o governo virou o vilão da história. Por pura falta de atenção dos comunicadores. Olha só: em março de 2024, o portal de notícias Metrópoles, de Brasília, contou que 29 associações e sindicatos, autorizados pelo INSS a cobrar mensalidades de aposentados e pensionistas, tinham registrado crescimento de 300 por cento na arrecadação em um ano e já respondiam milhares de processos por descontos não autorizados.
O INSS começou a investigar a tunga internamente. A Controladoria Geral da União (CGU) e a Polícia Federal começaram o que, agora, ficou conhecido como Operação Sem Desconto. E foi descoberto o tamanho da roubalheira: mais de R$ 6 bilhões tirados, na mão grande, dos já mal remunerados aposentados e pensionistas nacionais.
Mas sabe o que impressiona tanto, ou mais, do que a incompetência somada à má fé dos responsáveis pelas folhas de pagamento do instituto?
Ninguém, nem um dos tantos heads, coordenadores de comunicação, assessores de imprensa terceirizados nas agências ou servidores públicos teve a curiosidade de ir atrás do que mostrava a reportagem do Metrópoles. Ninguém se deu conta de que aquela notícia era prenúncio de crise? Os responsáveis pelo monitoramento de mídias que, todos os dias, várias vezes por dia, devem produzir relatórios para orientar a comunicção não viram aquela notícia, ou viram e não deram importância?
Ninguém, no governo, nas agências, teve a ideia de criar um plano de comunicação para mostrar que o governo Lula estava investigando descontos ilegais desde 2017 nas aposentadorias e pensões? O governo recém entrava no segundo ano. Poderia, informado sobre o problema, gerar a manchete: Governo Lula descobre outros malfeitos de governo passados.
Mas não. Só, timidamente, reagiram após a divulgação do resultado da Operação Sem Desconto. E aí veio tudo misturado. O roubo começou em 2017, sob Temer, passou o governo Bolsonaro inteiro e alcançou o governo Lula.
A oposição, como sempre, sacou primeiro para dizer que o assalto foi maior na administração Lula III, o que é meio óbvio. Todos os anos, aumenta o número de aposentados que, era um no governo Temer, cresceu na administração do ex-capitão e seguiu assim…
A timidez – ou quase paralisia – da comunicação do governo só tem até agora, repercussão negativa. Dois pedidos de CPI, uma na Câmara dos Deputados, outro no Senado Federal vão fazer – mesmo que as comissões não sejam instaladas – muito barulho nos ouvidos de Lula, que será acusado de impedir as investigações no Congresso Nacional.
Como ninguém, nenhum especialista em gestão de crise entre os vários contratados no Planalto e na Esplanada dos Ministérios prestou atenção às notícias em 2024, a comunicação governo vai passar o resto de 2025 reagindo à repercussão negativa de uma situação que tinha tudo para ajudar na recuperação da popularidade Lula.
E vem mais uma sinuca por aí. Esta semana, o governo diz a aposentados e pensionistas o que cada um precisa fazer para recuperar o dinheiro que lhe foi tungado.
Onde o governo vai buscar essa grana? Nas contas das associações responsáveis pelos descontos ilegais e nas dos responsáveis por elas já se sabe que não há saldo suficiente (alguém já viu ladrão deixar dinheiro imobilizado em contas bancárias?).
E aí vem mais crítica… O dinheiro do povo para pagar o que roubram do povo já dizem os oposicionistas.
Quer dizer, o governo está naquela: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come…
Situação que, com um pouquinho de competência, poderia ser definida com o velho chavão: o governo fez do limão uma limonada…
Agora, Inês é morta. O mocinho virou bandido…
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Foto da Capa: Reprodução da TV