No dia nove de janeiro de 2024 infartei. Por causa de uma conjunção dos astros, sorte, bençãos, destino, seja lá a explicação que você prefira, não morri. Estou viva para contar. É a primeira vez que escrevo sobre isso e ainda estou deglutindo o que me aconteceu. Muitas coisas rondam em mim.
Depois desse dia, mesmo eu já sendo uma pessoa que tomava cuidados com minha saúde, para além dos cuidados que tinha, resgatei uns (realizar atividade física aeróbica) e iniciei outros (não tomar álcool e comer açúcar). Mantive outros que são importantes pra mim, como o meu ritual de café da manhã.
Uma conquista é a manutenção da atividade física nesta rotina meio fora de lugar que tem sido as últimas semanas. No dia a dia, as atividades que desenvolvo são a caminhada, a ioga e, recentemente, comecei a dançar. Opa! Não é bem dançar… é Just Dance um jogo do Wii. Nele o jogador ganha mais pontos quanto melhor imitar a coreografia do dançarino na tela da TV. Nos dias de chuva, tem me salvado da ansiedade e levantado meu astral. Hoje me peguei pensando o que, por meio dela, também levo pra minha vida.
Com a necessidade de me informar e manter-me atualizada sobre o que acontece, aprofundar o conhecimento sobre as tantas coisas que ocorrem aqui no nosso caos particular, o que já é muito, e no restante do mundo, dançar – como é a minha escolha – mantém meu bom humor e minha capacidade de riso e alegria abastecida. Rir de mim mesma, inclusive!
Essa opção também me fez pensar sobre os erros e a capacidade de tolerância com eles, pois cometo muitos e muitos erros até acertar minimamente a coreografia de cada música. Autorizar-me a errar. Compreender que o erro é parte do processo. E errar sem me achar uma fracassada ou uma vítima, mas uma aprendiz que tá na pista pra fazer cada dia melhor.
Outra relação é a respeito dos limites, já que tenho claro que há coreografias propostas que jamais irei reproduzir cem por cento certo e perfeitamente, pra isso precisaria ser uma bailarina há algum tempo. Não sou e nem quero ser essa pessoa. Apenas sou alguém que deseja se divertir enquanto faz uma atividade física para manter a saúde física e, claro, mental!
Entre os diversos profissionais da saúde que consultei para buscar incrementar os cuidados com a minha saúde, fui a médicos de várias especialidades, farmacêutica e nutricionista. Quando me encontro com pessoas conhecidas que me perguntam sobre os cuidados que venho tomando, observo a preocupação delas para com eles. Também observo o quanto algumas delas ficam focadas se estou ou não “perdendo peso”, como se esse tivesse sido o fator desencadeador do infarto. Sinto que as pessoas projetam na gente sentimentos, estereótipos que elas possuem e, se a gente não está com as nossas crenças no lugar, sabedoras do que queremos e como queremos, embarcamos nas emoções alheias. Por isso, busco entender até que ponto o sentimento é meu ou foi trazido pela outra pessoa. Afinal, o meu objetivo é saúde.
A gente, mulher, cuida de muita gente ao longo da vida, e no geral se coloca no final da fila, quando se coloca. A culpa, nesse caso, é nossa companheira de jornada. Livrar-se dela e abraçar o autocuidado é difícil, barbaridade!
Conto isso porque há um mês a gente entrou num turbilhão aqui pelo Sul, por causa do desastre climático que prece não terminar. Falando por mim, está sendo uma loucura. Se no início foi choque, incredulidade e raiva. A seguir substitui por ação e, agora, acrescentei outras duas atividades voluntárias que tem por propósito construir a dignidade das pessoas 60+. Uma delas neste período emergencial, o Abrigo60+ Emergencial para pessoas acamadas, um espaço construído pela sociedade civil e o único em Porto Alegre. E a Campanha #PotênciaSenior, focada na reconstrução das vidas das pessoas com a velhice avançadas e organizações conectadas com longevidade e envelhecimento, iniciativa formada por mais de 25 Instituições. Ando “voando as tranças”, como diz o ditado gauchesco quando se quer dizer que se está por demais ocupado.
No passado, teria entrado num piloto automático por conta da correria tão grande em que ando enfiada e mandaria às favas o que estava construindo desde janeiro até aqui, com relação as minhas diretrizes de autocuidado. Mas porque sempre existe a possibilidade de escorregar (e tudo bem), até que estou me saindo bem.
No Rio Grande do Sul temos os doentes por conta da enchente e, por tudo que ando encontrando em Abrigos e outros espaços por aí, teremos os doentes porque cuidaram e não conseguiram se cuidar. Encontro muitos voluntários exaustos. Esgotados. Não sei como nossa saúde mental, emocional e física sairá depois dessa. Sinto que ainda estamos vivendo o choque, mas ainda vem muito pela frente em termos de saúde pública.
Cuidar de quem cuida não é um tema novo, pelo menos para quem atua na área da saúde ou da longevidade, como eu. Mas deveria ser um assunto de todos nós, como sociedade. Afinal, quem não cuida? O policial cuida da comunidade, o servidor do DMAE e da CORSAN cuida da água para que todos sejam abastecidos, o funcionário da CEEE cuida da energia elétrica para que todos a tenham em suas casas, a mãe e o pai cuidam dos filhos, a/o filha/o adulta/o cuida dos pais idosos, os professores cuidam dos seus alunos, os gestores públicos cuidam das suas comunidades. Então, a Economia do Cuidado, precisaria estar internalizada em cada um de nós.
Precisamos da (auto)permissão para estarmos abastecidos física e emocionalmente para poder cuidar dos outros. Isso é saúde e nos leva para uma vida mais longa e de maior qualidade. Escrevo permissão porque a necessidade existe e está em todos nós, mesmo que a gente ainda não a identifique, o que por muitas vezes nos leva a adoecer.
Espero que esteja tudo bem com você. Que o teu coração esteja quentinho e batendo bem. O meu, agora, está ótimo!
Foto da Capa: Freepik/Gerada por IA
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