Nos últimos cinco anos passei a admirar e perseguir mais o estilo minimalista. Não é algo fácil, mas parece ser um horizonte bastante animador: sair de uma lógica de acumulação para outra que considera a funcionalidade.
Dessa forma, entrei para o grupo das pessoas que, ao menos uma vez ao ano, revisam o que têm. Evidentemente, sempre estão os objetos dos quais é mais difícil se separar. Então, alguns deles se mudaram de país comigo, enquanto outros esperam pelo meu resgate.
Entretanto, preciso confessar que este estilo de vida contrasta muito com a vontade de ter uma biblioteca interessante, mas, até mesmo ela, anda entrando na dança da revisão. Vejo livros parados há muito e logo vou dando um jeito de fazer circular. Apesar disso, estão aqueles herdados ou que indicam uma passagem especial da vida. Estes livros relicários são os mais difíceis de se desfazer.
No possível, procuro ainda que a tal questão da funcionalidade não atropele meu coraçãozinho millenial brasileiro, tão acostumado a um croché aqui e um rococó acolá.
Como psicanalista, fui me acostumando a outros rococós, outras voltas e pontos. Repetições que fazem surgir as diferenças tão buscadas por algumas subjetividades. Que Freud era prolixo é algo bastante conhecido. O seu legado atesta. Por sua vez, Lacan gostava de um barroco, tal como ele mesmo referia ser, o Gôngora da psicanálise.
Entretanto, nem um nem outro tinha lá grandes apegos quando se tratava de uma “roupa velha”. Ou ela era deixada de lado ou era logo customizada. Essa mesma perspicácia vejo menos na psicanálise “contemporânea”, que não revisa, mas floreia diferença. Se bem, por sorte ou por juízo, poucos se candidatem à cânone – o que é risível, mas pode acontecer – menos ainda se animam a uma renovação que, efetivamente, caminhe e se articule com o tempo em que vivemos.
No meio psicanalítico se fala muito em transmissão, no lugar de ensinos com grade curricular estanque. O curioso é que, às vezes, essa transmissão se faz ao estilo de bens que não se podem vender, nem modificar, como se os herdeiros fossem usufrutuários impotentes, comprometidos em fazer da psicanálise um museu. Um museu sabidamente herdeiro do colonialismo.
É o que percebo quando ainda, nos dias atuais, se resiste a uma psicanálise brasileira, latinoamericana, amefricana, respeitadora dos saberes originários e reposicionada em relação a gênero e sexualidade.
É verdade que a ciência supõe um avançar mais em linha reta e que a psicanálise, por seus caminhos espiralados, se reencontra com o detalhe, o caso, o singular. A ciência, por sua vez, sempre está preparada para a mutação. Fazer teorias, colocá-las à prova, corroborá-las, refutá-las etc… Filósofos da ciência e cientistas mais ou menos entram em acordo e aceitação de que esta é a dança.
Outra coisa são os dogmas que não se permitem ser interrogados. Aí estamos no terreno da religião. Um terreno supostamente espinhoso para a psicanálise. No entanto, me preocupo quando vejo esse andar em círculos que requenta teorias para deixar palatáveis velhos preconceitos. Aí vejo o aceno do dogma…
Enfim, vamos aos fatos, alguns psicanalistas (não todos, por sorte) insistem em manter intocados esquemas teóricos do final dos anos 70 como se estes fossem à prova da passagem do tempo. Um tempo em que afirmo e reafirmo publicamente: é urgente a racialização dos psicanalistas. Sobretudo dos brancos, nomeando-se como tal. Somente a morte do universal, na verdade bem conhecido como homem-branco-hétero-cisgênero-capacitista pode dar chance a que esta disciplina sobreviva não como museu, mas, como se diz com frequência, à altura de nosso tempo.
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Foto da Capa: Ilustração gerada em Pikaso