Almoço de domingo. A família, ou parte dela, reunida. Muita comida, algumas piadas sem graça, trivialidades de como foram os últimos dias, aquelas fofocas do último encontro rolando.
De repente alguém avisa: tem um elefante no meio da sala!
Ninguém se vira pra olhar, ninguém se espanta de ter um elefante no meio da sala, e o pior, ninguém responde pra pessoa que avisou que tem um elefante no meio da sala! Aquela mesa antes cheia de conversa fiada fica calada, gritantemente muda, pois ninguém quer ver ou falar do elefante na sala!
A expressão do elefante na sala é isso, uma situação tão grande e fora do lugar que não sabemos como agir diante dela. E muitas vezes respondemos com outra expressão zoológica: enterrando a cabeça na areia pra não enxergar – não como o avestruz porque isso é um mito, mas você pegou o espírito da coisa, certo?
A tentação de ignorar um problema de alta complexidade é muito grande. Por que vou me estressar, perder tempo ou entrar em conflito com alguém se posso simplesmente deixar o elefante no meio da sala? Assim resolvo tudo e não me estresso, porque esse problema é muito grande pra resolver mesmo, e até que estou me acostumando com esse elefantinho no meio da sala.
Tenho uma notícia pra você que vive assim: o elefante se alimenta e depois faz vários cocozinhos no meio da sala. E eles fedem. Além disso, ficar com a cabeça enterrada na areia não é uma posição que se possa chamar de confortável.
Não vou falar dos grandes elefantes que são as relações de poder e dinheiro no mundo, mas vou começar pelos nossos locais de trabalho, amigos e famílias, pelos relacionamentos tóxicos, pelas situações de abuso, de alcoolismo, uso de drogas, abuso de medicamentos, pelos aproveitadores de idéias e dinheiro, as doenças mentais. Os diversos tipos de traição, as dívidas, o fanatismo, o abandono, os relacionamentos falidos, as doenças, o auto cuidado, isso só pra falar de alguns.
Tive uma colega na faculdade que ficou grávida e que não queria contar nem pra família super-religiosa nem pro namorado de anos. O fato é que ela não tinha certeza de que o bebê a bordo era do namorado, que tinha ficado lá na cidade do interior quando ela veio estudar na capital. O resultado foi ela largar a faculdade, entrar num casamento bem de conveniência, viver num segredo e tormento de vida que só acabou quando o filho teve uma doença genética inexistente na família dela e do suposto pai. Nesse ponto, mais de 15 anos depois, o elefante já tinha dado cria no meio da sala e a manada destruiu várias casas.
Sou amiga de uma família que tem um filho dependente químico. Eles acham que os episódios vão desaparecer com a força do pensamento e reza deles, então entre um grande susto e outro, eles não falam no assunto. Acham que silêncio é amor, e que dar limites não é a resposta. Alimentam o elefante reforçando o estilo de vida do filho, que tem seu real problema negligenciado. Essa história não sei como vai acabar, mas enquanto o silêncio e paralisia duram, mais o elefante aumenta de tamanho, assim como o sofrimento de quem está lá, com a cabeça enterrada na areia.
Na minha casa já teve muito elefante morando. Muitas vezes ignorei eles. Quando meu primeiro marido teve uma doença terminal, evitei falar nisso e encarar que ele ia morrer. Na minha cabeça, enquanto eu não falasse que ele estava tão doente, ele não ia morrer. Nem preciso dizer que não foi isso que aconteceu, e perdi a oportunidade de me despedir e falar coisas que gostaria de ter dito. Outras vezes tive que enfiar o pé na porta e quebrar a parede para os elefantes saírem. Deu trabalho, criou problemas com outros moradores, incomodou os vizinhos. Mas apesar de ficar dolorida, física e emocionalmente, fiquei em paz e com a casa cheirosa. Hoje em dia nem o elefantinho do extrato de tomate se cria mais aqui em casa.
Resolver problemas complexos não é fácil, de jeito nenhum. Mas realidades silenciadas criam e alimentam o elefante. Não falar não resolve problemas. Ignorar não resolve problemas. Mas também falar por falar não resolve problemas. Sair correndo pela casa gritando que tem um elefante na sala não faz com que o elefante saia. Para tirar ele de lá, assim como para resolver o problema do tamanho de um elefante, precisamos de coragem e persistência.
Sente ao lado do elefante na sua sala, converse com ele, escute ele, entenda como ele chegou ali, pense nas formas de tirar ele dali, e o que fazer com ele depois de sair. Mas caso você prefira continuar com a cabeça enterrada na areia, se prepare para ser soterrado pelo implacável elefante que mora no meio da sua sala.
Leia mais texto de Anna Tscherdantzew
Foto da Capa: Gerada com Pikaso