Nunca fui magra. A única vez em que tive o “peso ideal” para a minha altura foi 27 anos atrás, nos meses que antecederam e sucederam a morte do meu pai. Eu tinha 21 anos. Em retrospecto, porém, vejo que na infância e adolescência também nunca fui gorda, mas vale lembrar que eram os anos 1980 e 1990, quando o ideal de beleza eram as supermodelos sem peito, sem bunda, sem comida, sem nada.
No início da vida adulta, mantive um peso saudável até que um tratamento médico, em 1999, me fez acumular 12 quilos extras em um ano. De 68 quilos, passei a pesar de 80 a 83 quilos, a que agora me refiro como “meu peso homeostático”. Assim, até 2021 vivi com um praticamente constante IMC 28. Ou seja, durante a maior parte da minha vida tive sobrepeso, e tudo bem. O fato é que gosto de mim daquele jeito. Aprendi a comprar roupas que me caem bem. Também era saudável, pelo que costumavam atestar meus exames e minha disposição geral. Embora não frequentasse academia, meu Google Fit me informava que estava longe de ser sedentária.
Você é gordofóbico e não sabe
Em 2011, eu e meus médicos estávamos OK com meu sobrepeso. Mas o resto do mundo, não. Naquele ano, tive uma prova do quanto as pessoas são gordofóbicas sem perceber, durante um treinamento da empresa que reunia gente de várias partes do Rio Grande do Sul que não se conheciam. À mesa do almoço, diante de pratos feitos, começaram os indefectíveis (e insuportáveis para mim) comentários do tipo “hoje vou ter que correr mais pra queimar esse prato”, “sabia que desde que cortei o glúten, minha vida mudou?”, “tem certeza de que vai botar azeite na salada? sabe que é saudável, mas muito calórico, né?”. (Parêntese: poucas coisas são tão deselegantes como falar de dieta à mesa.)
À época, em pleno tratamento para engravidar, com hormônios saindo pelas orelhas que me deixavam em estado de TPM constante e com o espírito de porco mais exacerbado do que o normal, falei num tom meio melancólico/meio irritado:
– Ai, gente, acho muito ruim ficar falando de comida durante as refeições. Porque desde que emagreci 40 quilos isso me deixa tensa.
Súbito silêncio, com todos se virando pra mim. Até que a mais emocionada na conversa sobre “alimentação light” pergunta:
– Como assim?
– Pois é, já pesei 120 quilos – segui na mentira, só pra confirmar o que imaginava que seria a reação geral.
Comprovando a minha intuição, vieram as exclamações gerais de entusiasmo.
– Guria, que máximo!
– Menina, como tu tá bem!
– Que vitoriosa!
– Que incrível, guerreira!
Até que um dos que me conhecia um pouco perguntou, incrédulo:
– É sério?
Então esclareci, com um sorriso (satisfeito e, confesso, meio maligno) de orelha a orelha:
– Não. Mas até agora aposto que vocês estavam me vendo como a gordinha preguiçosa e que não consegue conter o apetite para ser bonita. Ao acharem que eu fiz horrores de sacrifício para chegar a este corpo, que tenho há mais de uma década, na verdade, fiquei subitamente linda aos olhos de vocês.
De improviso, evidenciei a gordofobia dos colegas de mesa do almoço. Foi constrangedor. Porque me senti meio mal na hora, depois de fazer a brincadeira. Mas depois pensei que o constrangimento deveria ser deles, não meu. Essa ideia de que todo gordo é preguiçoso e uma vida só vale a pena ser vivida em busca do eterno emagrecimento (pessoas magras sempre reclamando dos dois quilos que querem perder devem ter um círculo no inferno reservado só para elas) ou de uma boa forma que cabe em uma forma definida pelo inconstante mercado da moda.
A obsessão com o peso está por toda parte
A validação dessa ideia é vista no dia a dia nas redes sociais, na mídia e na conversa em família. Quando um amigo ou parente surge mais magro, dificilmente ocorre a alguém que a pessoa possa estar com alguma doença física que cause perda de peso (ou mesmo um transtorno alimentar). O mais comum é a criatura ser coberta de elogios – porque, afinal, ser magro não é um objetivo inquestionável? (Aliás, as pessoas precisam parar de achar que podem fazer quaisquer comentários, positivos ou negativos, não solicitados sobre o corpo alheio.) Quando “flagrado” comendo algo calórico, o entrevistado de um repórter de TV parece se sentir obrigado a dizer “amanhã vou correr em dobro pra queimar essas calorias”. Sem falar no sem-número de anúncios de dietas e programas de exercícios milagrosos – sem fundamento científico ou sustentabilidade no médio e longo prazo.
Por outro lado, vem crescendo um movimento preocupante em que se exige que a obesidade grau III seja vista como um “estilo de vida” e não a doença que de fato é. Influenciadores digitais (sou influencerfóbica, assumo) saúdam e tratam corpos de mais de 120 quilos como algo desejável, desejado e saudável. Gordofobia é certo? Por óbvio que não! Ninguém pode ser discriminado, maltratado, ironizado ou desprezado pelo seu percentual de gordura em qualquer aspecto ou momento. Como alguém que sente isso na pele, posso dizer: é desprezível que se faça isso.
Só que excesso de peso faz mal, ponto. Hoje, por conta do segundo ano de pandemia, estou 15 quilos acima do meu padrão. Por mais que eu não me ache feia ou duvide da minha capacidade intelectual ou psicológica pelo simples fato de estar mais gorda, viver fica literalmente mais pesado quando se carrega o equivalente a três sacos grandes de arroz de um lado para o outro. Não há pés, pernas, coluna e joelhos que aguentem sem reclamar.
A relação com a comida pode ser saudável e envolver prazer
Felizmente, apesar das maluquices citadas acima, cresce o consenso entre os nutricionistas modernos a importância de não se ver a comida como inimiga, tampouco tratar o prazer da mesa como algo perverso. No livro A revolução da glicose, a divulgadora científica Jessie Inchauspé descreve como isso é possível a partir de dados científicos.
Em maio de 2022, tomei a decisão de dar um basta aos maus hábitos adquiridos em 2021 e que me trouxeram à forma de bolota em que me encontro hoje. Apesar de tanto bom conhecimento sendo divulgado, ainda pululam malucas como aquela mulher daquele ex-BBB que surta diante da simples ideia de se consumir um pobre pão.
Ainda não perdi quilos significativos, mas parei de engordar e passei a me exercitar mais. Há duas semanas, comecei um programa de emagrecimento com um aplicativo que foca na contagem de calorias, com dicas sobre como se manter motivado no processo. A sugestão da semana foi expor o objetivo ao mundo, para ter apoio e torcida. (E, vamos combinar, alguma cobrança, que é o que eu gostaria de evitar, mas, enfim.)
Portanto, eis-me aqui. Pela primeira vez, falo abertamente sobre a questão. Contando com o apoio do prezado leitor, encerro desejando uma boa virada de ano! Com comidas e bebidas gostosas que, na soma, não ultrapassem a quantidade de calorias recomendada para cada corpo e sem precisar achar que uma escorregadela na dieta precise ser “compensada” com algum tipo de sacrifício. Equilíbrio é sempre mais chique!