Em 26 de julho é comemorado o Dia dos Avós (dica de melhor presente: teu abraço, tua ligação ou uma mensagem de zap), e bem que eu tentei escrever algo bacana sobre eles. Mas meu espírito, já aviso, é outro. Também lembrei que neste mês de julho já havia escrito aqui um texto sobre a avosidade leve, gostoso. Fica a dica. Isso me fez pensar que tudo bem um dia você estar mais alegre e no outro reflexiva e precisando colocar o que te incomoda pra fora.
Tenho estado mergulhada na coordenação do Abrigo Emergencial 60+ desde 17 de maio, quando um grupo de voluntários e instituições da sociedade civil abriu as suas portas para acolher pessoas idosas vulneráveis em situações de saúde complexas, vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
Oferecemos 40 vagas com o propósito de abraçar essas pessoas que estavam em abrigos inadequados, proporcionar um atendimento digno e respeitoso. Fomos, ao longo dos dias, muito além disso, orgulhosamente.
As velhices violadas
Com o passar do tempo, e as histórias de cada um foram sendo conhecidas, para que pudéssemos planejar e viabilizar a volta para locais seguros, foi se revelando uma realidade invisível: as velhices abandonadas, exploradas, violadas em seus direitos, que o Estado não acessa:
- O senhor com câncer que a família não queria cuidar, muito menos que voltasse para casa, a ponto de bloquear nossos celulares e a gente ter que ir até sua casa para poder conversar.
- A irmã que ficava com o cartão do banco e 2/3 do salário e não queria devolver pra ele.
- A idosa doente que morava com o filho com problemas cognitivos e a filha dependente química, violenta com a mãe.
Histórias para ilustrar as velhices vulneráveis que estavam escondidas e que vieram à tona. Não eram boletins de ocorrência na polícia, não estavam na mídia, no radar de ninguém. Eram sofrimento cotidiano, violência diária. Eram violências consentidas, submetidas.
É preciso prevenir
É necessário um processo de educação. O Estado do RS, o mais envelhecido do Brasil, precisa fazer o seu dever de casa e lançar o seu programa de educação para longevidade e envelhecimento para sua rede de ensino fundamental e de nível médio. Basta de ficarmos testemunhando injustiças e reparando. É preciso prevenir. E a educação é a melhor resposta.
O que estava ruim ficou pior
Com a enchente, velhices vulneráveis, que estavam na corda bamba, mas que se viravam de um jeito ou de outro, também ficaram abandonadas:
- A senhora viúva, sem filhos, catadora para complementar sua renda, que perdeu tudo na casa e a casa.
- A senhora viúva, com os dois filhos já falecidos, que diante da tragédia perdeu o que lhe restava, a casa e o gatinho.
- A senhora que teve tudo levado em sua casa por três inundações. Nesta última, a maior, desistiu. Da cidade. Está à procura de um lugar pra ir, mas a Capital não tem espaço pra quem vive de salário mínimo, que precisa pagar por medicamento e deseja geladeira, fogão e máquina de costura.
Onde essas pessoas conseguirão fôlego para recomeçar? Não venha me dizer que os R$5.100,00 de auxílio reconstrução são suficientes ou que representam política pública para situações como essas. Além disso, isso não é equidade. Há que vir mais respostas e rápidas. Há que haver prioridade para essas pessoas que são vulneráveis economicamente, não tem a mesma energia da juventude e estão na fase final de suas vidas.
Anestesiamento
É triste conversar com agentes do Estado e verificar que se normalizou nas falas o fastio, a falta de energia, a inexistência de indignação com “tudo isso que está aí”: nossas verbas não são suficientes, nossa lei não abarca esse tipo de serviço, sempre foi assim e não há como fazer diferente, nossa instituição não tem vagas suficientes, etc. Há um anestesiamento geral. Como se, mesmo entre os gaúchos, a “inundação já tivesse passado” e que não tivéssemos mais vítimas das enchentes.
Enquanto isso, vidas seguem fragilizadas, adoecidas em maior grau do que deveriam, sendo vulnerabilizadas e abandonadas, invisibilizadas por um sistema que as transforma em números, estatística.
Quando abrimos o Abrigo Emergencial 60+, o único da Capital voltado para pessoas idosas, acolhemos mais de 60 idosos. Já encaminhamos para destinos seguros 26 e atualmente estamos com 34. Fico me perguntando se encontramos tantas histórias de velhices vulnerabilizadas como estas nessa amostra tão pequena de pessoas idosas, imagine se isso fosse ampliado para toda a Porto Alegre ou todo o Rio Grande do Sul, o estado mais envelhecido do Brasil? Tenho receio dessa resposta.
Sexismo x Idadismo
Semana passada escrevi sobre o idadismo contra o Joe Biden, 81 anos, e, veja só, foi derrubado por conta dele! Mesmo Biden não sendo tão mais velho quanto o Donald Trump, 78 anos, sua aparência mais fragilizada e tropeços na área cognitiva, lhe valeram a candidatura à presidência.
Agora, interessante observar, pois o feitiço virou contra o feiticeiro. Infelizmente penso que o Idadismo continuará sendo pauta desta Campanha, posto que se mostrou eficiente na eliminação do Biden, poderá ser utilizado contra o Donald Trump em favor da potencial candidata democrata Kamala Harris, 59 anos.
Em contrapartida, como é do seu feitio e amplamente conhecido em seu histórico, confirmada a Kamala Harris como candidata, espera-se que Trump utilize táticas e argumentos misóginos e machistas contra ela.
Se assim for, espero que a eleição não se resuma a isso. Esperanço que os eleitores americanos vejam além disso.
Foto da da Capa: Dona Erondina, atendida no Abrigo 60+ / Instagram
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