Começo com um alerta: é possível (ainda que improvável) que alguma das musas do pop que vieram antes dela (Tina Turner, Madonna, Beyoncé, Jennifer Lopez, Britney Spears) tenham rompido barreiras maiores e com mais dificuldades, mas há dois fatos inequívocos: nenhuma alcançou o tamanho de Taylor Swift e, em uma nota pessoal, euzinha nunca me interessei tanto por nenhuma das antecessoras como por ela. A bem da verdade, nunca tive muita paciência para divas pop e raramente tive ânimo para enfrentar os perrengues de megashows. O que mudou?
A explicação para este meu súbito e insólito interesse vai além da maternidade (que tem me feito pagar a língua sem cessar há mais de uma década) e dos números da carreira da cantora, que são assombrosos e indiscutíveis. Não vou citá-los, mas fica aqui um link para esta boa reportagem da BBC que explica direitinho porque ela é tão popular e não sai de moda. O meu não é um texto sobre fatos, mas sobre sentimentos. É um texto de admiradora, que me tornei durante as três horas do show (sim! três horas!) a que assisti na sexta-feira passada, em São Paulo, teoricamente arrastada pela minha filha, Lina, de 11 anos. Não que antes disso eu já não fosse detentora de um vasto conhecimento sobre a artista.
Faz alguns anos que os trajetos de ida e volta da escola no meu carro têm a Lina como DJ. Nunca tive (muito) do que reclamar. A soma da nossa influência com a das produções para TV e cinema dos últimos anos ajudou a criar na pequena um gosto musical variado e cujas novidades ela faz questão de nos apresentar. Não sei como ela descobriu Taylor Swift, mas a primeira vez que eu prestei atenção em algo da moça além das fofocas por que eu cruzava nas minhas redes sociais foi na trilha sonora da divertida animação Sing, de 2016, com uma versão de Shake it off cantada pela porquinha Rosita, dublada pela atriz Reese Witherspoon. Achei bacana a letra bem-humorada que, resumindo por alto, diz que ela não se importa com as maldades ditas a seu respeito. E foi isso.
Mais ou menos em março passado, a discografia da moça entrou na playlist dos trajetos de mãe e filha e, pelos comentários da copiloto, descobri, entre tantas coisas, que Taylor (as aspas são da Lina):
- surgiu como cantora aos 14 anos em Nashville (“ela era cantora Country, sabia?”);
- compõe as próprias músicas com ou sem parceiros (“ela sabe muito inglês e adora ler, mãe”);
- toca piano e violão (e guitarra, violão de 12 cordas, teclado, ukelele, banjo e percussão);
- namorou com um dos Jonas Brothers (“que foi um idiota com ela, terminou o namoro por telefone, tu acredita?” e para quem ela teria escrito Mr. Perfectly Fine, uma das minhas preferidas);
- recebeu um diploma honorário de doutora em belas artes pela prestigiada Universidade de Nova York;
- tem um grupo de amigas muito próximas, uma das quais sendo Selena Gomez;
- namorou também o ator Jake Gyllenhaal (“mas ela teve vários namorados, terminou com um ator há pouco e está namorando um jogador de futebol americano”);
- deu um chega pra lá nas gravadoras e nos empresários “que exploravam ela” e regravou seus discos em versões próprias;
- é fã de Friends e de Law & Order SVU (“ela tem uma gata chamada Olivia Benson!”);
- foi influenciada por muita gente boa (que já entraram na lista de preferências musicais do serzinho que pari);
- quando terminou a turnê nos EUA, em agosto, “deu um monte de dinheiro para quem trabalhou com ela” (ou seja, distribuiu US$ 55 milhões em bônus para a equipe da The Eras Tour).
A partir de junho, quando um pacto feito entre mim e uma das madrinhas da minha filha (mãe da prima Joana, outra Swiftie – que é como se autodenominam os admiradores da nossa heroína) em torno de um até então improvável show no Brasil virou realidade, tive tempo de conhecer (e praticamente decorar) não apenas o setlist do show, como definir minhas top 3, top 5, top 10. Ainda assim, desembarquei em Congonhas na quinta-feira passada apenas como uma “mãe de Swiftie” que achava o pop da garota “honesto”.
Mas daí o show começou e, na terceira música, eu me entreguei. Como só tinha acontecido comigo antes em um show do Chico Buarque e no de Paul McCartney, eu chorei. Não de emoção, não necessariamente pelo show, mas pela sensação que tive de ser essa a artista de que minha filha gosta nessa idade tão importante e que seja com letras como as dela que está aprendendo inglês. A música que me provocou as lágrimas é a do vídeo legendado em português abaixo, e se você prestar atenção à letra, talvez entenda o que quero dizer.
Antes de começar, Taylor beija o próprio bíceps ao agradecer ao público: “Vocês fazem eu me sentir muito poderosa”. (Sim! Ela fala powerful, não o desgastado e enfraquecido empowered – ou empoderada – que tanto ranço me causa.) E canta The Man. E eu choro ao ver minha filha de 11 anos se sentindo representada por ela. Na canção, Taylor expõe com bom humor (aliás, como é bem-humorada) o que é ser mulher mesmo em 2023, “denunciando” como ainda é tudo mais difícil para as meninas (ou, vá lá, mais fácil para os homens).
Ultimamente, tenho olhado bastante ao redor me perguntando se foi uma boa ideia botar uma criança neste mundo cada vez mais complicado, polarizado, com desigualdades aparentemente cada vez mais acentuadas. Procuro incansavelmente por respostas e saídas nas mais variadas fontes, da filosofia às religiões, da psicologia à sociologia. O sopro de esperança deste ano, quem diria, veio da obra de uma cantora pop norte-americana.
Quem já esteve em um estádio lotado para um jogo de futebol ou um show de rock sabe da intensidade da energia emanada por aquelas milhares de pessoas juntas. A energia do estádio repleto de meninas, mulheres, gays e eventuais homens cis héteros (a maioria desses com cara de estar lá apenas para agradar uma mulher da sua vida – filha, mulher ou namorada) era igualmente intensa, mas diferente. O clima de 24 de novembro, no Allianz Parque, tinha uma leveza e uma cumplicidade que nem na torcida de final da Libertadores vitoriosa do Internacional eu tinha visto. Era gente de todo tipo: alta, magra, gorda, baixa, maquiada, descabelada, arrumada, com cara de quem chegou a São Paulo de helicóptero ou que raspou o cofre para pagar o preço do ingresso. Na fila do banheiro, elogios ao visual umas das outras e oferta para a que parecia estar mais apertada passar na frente.
Quando Taylor nasceu, 1989, eu tinha 15 anos e estava tentando parecer mais boa moça do que minha natureza ditava. Me esforçando para ser mais feminina, no estilo das musas e divas do cinema e da música, magras, loiras, sensuais, misteriosas. Taylor é magra e loira, verdade, mas não tem nada de diva. Se é uma imagem construída como tantas outras do showbiz, que seja. Ao menos é uma imagem positiva.
Para escrever esta coluna (que foi encomendada pela Swiftie aqui de casa), pesquisei bastante e percebi que para cada crítica ou reprovação há ao menos uma resposta no caminho contrário. Dada pela própria. Destaco duas. A primeira, o clipe original da Shake it off citado ali em cima. Divertidíssimo. Clica aqui e confere por conta própria. A segunda, o documentário Miss Americana, que nem a insistência da filhota havia me feito vencer a resistência por conta da chatice que foi, para mim, assistir o insuportável Na cama com Madonna, no século passado. Nos próximos dias, decidi, verei e, se houver alguma novidade, volto aqui e conto para vocês.
Não tenho a intenção de converter ninguém ao fandom. Até porque, como disse muito bem dito minha amiga Cláudia Laitano, mãe de uma Swiftie com mais estrada do que a minha: “você pode não gostar da Taylor Swift, mas sua filha gosta”. Porém, da próxima vez que pensar em falar mal da loirinha, lembra dessa mãe cinquentona que se dobrou a ela e dá uma chance à mulher que tem feito estádios inteiros gritarem “fuck the patriarchy!”. Amém.
Foto da Capa: Reprodução TaylorSwift.com.br