Portugal, país que se orgulha dos seus avanços sociais, carrega um machismo estrutural que silencia e desacredita as mulheres. A violência, sofrida dentro de casa, encontra respaldo fora dela também. E o pior, por quem deveria proteger estas mulheres.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) atendeu em 2024 uma média de quarenta e cinco vítimas por dia. Mais de 30 mil queixas foram apresentadas às autoridades portuguesas. Dessas, apenas 13% resultaram em condenações. A condução dos processos de violência doméstica em Portugal tem sido muito criticada, dentro e fora do país. Diariamente ouvimos relatos de mulheres que, ao invés de escuta, acolhimento e respeito, recebem críticas, desprezo e punição pela violência que sofreram.
Casos escandalosos como o do juiz Neto de Moura, que, em 2017, justificou a violência contra uma mulher com base em citações bíblicas e no Código Penal de 1886. Em um acórdão, escreveu: “O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente […] e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”.
Este mesmo juiz já havia anulado uma sentença de violência doméstica, considerando que a vítima, por ter cometido adultério, era “falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral”. Essas decisões provocaram protestos e indignação pública, levando à transferência do magistrado para outra seção.
Tamanho é o absurdo da situação no julgamento das ações que, recentemente, o Conselho da Europa sugeriu que os magistrados portugueses façam formação específica em violência doméstica.
A frieza com que os casos são tratados não só perpetua a violência, como reforça a sensação de impunidade.
Em outro caso que ganhou enorme repercussão, outra juíza – sim, uma mulher – responsável pelo caso de violência doméstica decidiu suspender o processo e seguir a recomendação de uma procuradora do Ministério Público, ordenando que o agressor levasse a vítima para jantar fora e que depois fossem ao teatro ou outra atividade lúdica. Segundo a juíza, esta era uma medida de “reconciliação”, de tentar salvar o casamento. O mesmo casamento em que ele a agredia repetidamente.
Os casos se repetem e são difíceis de digerir. Em um outro julgamento, a mulher foi obrigada a depor diante do seu agressor, que também era juiz. Ela havia pedido para que o marido fosse retirado da sala, mas seu pedido foi negado. O corporativismo reinou. O tribunal não viu problema na presença do “colega” e decidiu pelo respeito à toga. No banco das vítimas, esta mulher foi colocada no papel de ré.
Portugal precisa urgentemente rever-se. Estes não são episódios isolados — são reflexos de um sistema impregnado de misoginia. Enquanto uma só mulher for desacreditada, silenciada ou aconselhada a jantar com quem a agride, todo o sistema estará em dívida.
Fontes:
• Expresso, 21/1/2023 – "Juíza ordena agressor a levar vítima de violência doméstica a jantar fora"
• Observador, 20/01/2023 – "Juíza suspende processo e recomenda teatro de revista a casal em conflito"
• Renascença, 09/10/2019 – "Mulher obrigada a depor na presença de alegado agressor, que é juiz"
• Wikipédia – Joaquim Neto de Moura
• APAV e CIG – Relatórios de 2024 sobre violência doméstica em Portugal
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Foto da Capa: Freepik