“Hoje é lua nova”, ela disse. Mais cartesiano, como quem pergunta “e o que eu faço com essa afirmação?”, ele disse: “E o que é que tem?”. Sem ouvir palavra, ainda pergunta: “É porque podemos ver melhor o céu…?”. Não soube muito o que dizer. De uns tempos pra cá, ela apenas gosta de observar esse calendário paralelo que não permite medir, mas acompanhar ciclos. Ele quer um telescópio mais preciso e ela só queria ser mais bruxa. Ah!, como queria. Saber o que avó sabia sobre chás e plantas, ter intuições loucas para distribuir. E, mesmo assim, às vezes errar para não se perder muito de si.
Em todo o caso, assim como ela e ele, faz tempo que olho para as estrelas com mais interesse. Também já tem um tempo que as luzes incessantes das grandes capitais me irritam mais do que seduzem, porque impedem, justamente, esse acesso. Com esse hábito, certa noite, no Uruguai, vi os satélites-constelação Starlink em uma linha muito precisa, estragando a magnífica aleatoriedade do céu. Ao vê-los, imediatamente aterrei. É evidente que sempre pode passar um avião, mas, se insisto em olhar para o céu, é pelo descanso estético do nosso humano rastro, supostamente civilizado. Um sonho de descanso.
As luas, a fome sem relógio, o esquecimento dos graus – com a afetação espontânea pelo quente e pelo frio –, o contato com as redes de afeto fora das datas pré-estipuladas são exercícios de soltura de uma medida ilusoriamente linear e ilimitada. Nessa intenção, o maquinário tecnológico, com sua imposição de novas métricas – likes, comentários, etc. –, pouco ajuda.
É verdade que as redes sustentam, mas também podem prender. É válido para as redes de afeto e, igualmente, para o duplo fio bem evidente das redes sociais. Há sempre uma pauta no ar e, com ela, sempre um convite duvidoso. Uma oportunidade ou uma armadilha, uma trampa? É assim que um simples post produz uma constante dúvida: notícia ou fake? Verdade ou consequência?, como no jogo juvenil. E dá-lhe consequência!
Cada vez que escrevo, gosto de pensar que não é sobre agarrar o rabo do cometa das trend topics. Apesar de eventualmente acontecer, agrada-me pensar em realmente ter algo a dizer, nem que seja para mim. Se for só isso – e não é tão pouco – o convite para quem lê é o de testemunhar uma elaboração. De fato, creio que sempre é um pouco sobre isso o ato de ler: testemunhar. Na palavra elaboração há trabalho, eis o labor aí dentro. No fim, quem lê testemunha um trabalho.
Da mesma forma, dá trabalho se desenredar das redes sociais. Sempre tem uma desgraça, um meme, um gato de alguém que faz algo que o nosso não, uma bobagem que dá um ataque de riso adolescente ou um ser que resolve dizer algo interessante nesse pergaminho infinito que vamos desenrolando. Enquanto isso, as luas passam, as plantas crescem e se esquecem de que servem, os pés se desencaminham de tanto ficar parados e os dedos indicadores engrossam de tanta rolagem de tela e os olhos por pouco perdem a periférica.
Quando vejo as piruetas da estelar medalhista brasileira Rebeca Andrade, me alenta pensar que essa menina negra – ginasta pelo exemplo de uma Daiane dos Santos e pelas mãos de projetos sociais – traz outras possibilidades, outras influências que poderíamos seguir mais de perto. As Olimpíadas vão fazer falta por causa dessa e de outras estrelas. Quem sabe esse banho de ouro nos distancie de tantos des-influencers que produzem o conteúdo que não têm.
Quem dera esse brilho permaneça conosco por mais luas e possamos muito mais do que esperar longos ciclos de 4 anos em 4 anos.
Foto da Capa: Freepik
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