Na entrada da exposição Fullgás, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, o poeta e jornalista Luis Turiba me falou: a gente vai acabar se vendo aí dentro. Sim, nós que tivemos nossa juventude, de jovem adulto, nesse período, estamos de várias formas presentes ali.
Fui lá para testemunhar, antes de qualquer outra coisa, os quatro quadros da Téti Waldraff. Eles fazem parte de uma série colorida de desenhos. Um deles está na parede da minha casa. Poderia compor com os outros lá no CCBB, formando um quinteto.
Eu e a Téti trabalhamos juntos de 1986 a 1992 como professores no Colégio João XXIII, em Porto Alegre. Eu lecionava Língua Portuguesa, ela, Artes, junto com outras feras como Teresa Poester e Isabel de Castro. Na Música, tinha o Carlo Pianta, entre outras excelentes cabeças nas suas áreas. Éramos todos jovens oitentistas.
O espírito dessa época está na exposição que já começa nomeada pela canção da Marina Lima e do Antonio Cicero, aquela que termina com o lindo trecho “você me abre seus braços/e a gente faz um país”. É esse Brasil saindo da ditadura militar, alegre por reconquistar a democracia.
Na arte, o peso dos anos de chumbo começa a dar lugar às cores, ao lúdico, à distensão dos músculos retesados, como nos desenhos da Téti e de tantos outros.
É uma geração crítica e politizada, mas também pronta pra festa. A crítica a todas as formas de poder (“toda forma de poder é uma forma de morrer por nada”, como cantavam Nei Lisboa e Humberto Gessinger) se estende à própria arte. Há um abdicar da pose de grande artista. Isso se reflete nos formatos, no deboche, no humor, na postura punk.
É a década do vídeo. Filmar, que antes era uma mão de obra, tendo que se possuir uma cara filmadora, mesmo que fosse uma super 8, passou a ser mais prático e acessível. Os videomakers deitam e rolam. Há, na exposição, um sobre o Beijoqueiro.
Era uma figura carimbada da década. Sua obsessão era conseguir beijar, no rosto, os famosos, do papa ao Frank Sinatra, passando por Pelé e outros tantos. Driblava os esquemas de segurança, beijava e saía arrastado pelos policiais. Ao final desse vídeo, está ele no meio da torcida do Flamengo, que canta, com o Maracanã lotado, “ê, ô, ê, ô, beijoqueiro é um terror!”
De repente, um quadro maravilhoso de um dos artistas visuais de que mais gosto: Milton Kurtz. A obra se chama “Ataque automático”, de 1985. Tem a mesma técnica de figuras humanas em preto e branco com uso de cores, seja nas roupas, batons, cabelos, que tem naquele quadro dele no Bar Ocidente, de Porto Alegre. Como profetizou o Turiba, nesse momento, me vi na exposição.
Foto da Capa: Reprodução do Instagram
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