No dia 21 de maio recente, o ministro Dias Toffoli declarou a nulidade absoluta de todos os atos praticados em desfavor de Marcelo Bahia Odebrecht (MBO), “no âmbito dos procedimentos vinculados à Operação Lava Jato, pelos integrantes da referida operação pelo ex-juiz Sérgio Moro no desempenho de suas atividades perante o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba”, ainda que na fase pré-processual, e determinou, em consequência, o trancamento das persecuções penais instauradas em desfavor de MBO no que atine à mencionada operação.
Outrossim, o ministro Dias Toffoli ressaltou que a declaração de nulidade dos atos praticados na 13ª Vara Federal de Curitiba não implica a nulidade do acordo de colaboração firmado pelo requerente – revisto nesta Suprema Corte -, que sequer foi objeto da demanda que ensejou essa decisão. Por fim, o ministro determinou que à Secretaria Judiciária levantasse o segredo de justiça, na medida em que não se justifica a manutenção do sigilo na hipótese dos autos.
A decisão do ministro foi minuciosamente embasada e examinou diversos aspectos, em especial salientou o conteúdo das mensagens vazadas por um hacker. Vou me ater aos principais fundamentos utilizados pelo ministro, que considero mais relevantes. Pretendo fazer apenas uma síntese, pois a decisão pelo seu alto detalhamento foi expendida em 117 páginas.
Inicialmente, o ministro, ao fazer seu relatório, salientou incialmente que os fundamentos da petição do Sr. MBO foi lastreada nos diálogos revelados pela “Operação Spoofing”, bem como na dinâmica de atos processuais correlatos envolvendo o MBO na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Para quem não se lembra, a Operação Spoofing foi conduzida pela Polícia Federal, em julho de 2019, para investigar invasões às Contas de Telegram de pessoas que estavam envolvidas com a Operação Lava Jato e de autoridades brasileiras, incluindo as mensagens entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, as quais foram publicadas no “The Intercept”. Essas mensagens foram obtidas por um hacker e afetou inclusive o Presidente Bolsonaro, ministros do STF e do STJ, Raquel Dodge, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Foi um grande escândalo na época, e expôs muitos dos diálogos que justificaram a decisão do ministro Toffoli.
O ministro Tofolli destacou ainda que a “Operação Spoofing”, também com relatoria dele no STF, “permitiu a diversos réus da chamada ‘Operação Lava Jato’ que apontassem, como matéria de defesa, ilegalidades praticadas em Curitiba, as quais foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal envolvendo, por exemplo:
(i) a manipulação de competência;
(ii) o conluio entre magistrados e membros do Ministério Público;
(iii) a obtenção de elementos provas à margem dos canais oficiais;
(iv) a inobservância da cadeia de custódia de referidos elementos;
(v) a utilização da operação para fins pessoais e políticos, inclusive com a tentativa de utilização de recursos públicos, sem a necessária intervenção do Tribunal de Contas da União, da Advocacia-Geral da União ou mesmo da Controladoria-Geral da União.”
Da mesma forma, o ministro salientou que “o estudo mais aprofundado do material colhido na referida operação revelou um complexo sistema de captura do Poder Judiciário e do Ministério Público para o desenvolvimento de projetos pessoais e políticos, o que ficou estampado em centenas de decisões proferidas por esta Suprema Corte em sede de ADPF, habeas corpus, reclamações e dentre outras classes processuais.”.
Para o ministro Dias Toffoli, não foi só isso
“… o Conselho Nacional de Justiça, em recente relatório de correição realizada pelo ministro Luís Felipe Salomão, na qualidade de Corregedor-Nacional de Justiça, revelou a gestão absolutamente caótica dos recursos oriundos da Operação Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, além de indicar que o dinheiro da chamada “Fundação Lava Jato” – fundação privada que seria gerida por Procuradores de Curitiba – foi inicialmente destinados à Petrobrás, no Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 80DD-80E9-A77A-29D7 e senha 0E85-9DCF-3C2B-C22A PET 12357 / DF 65 qualidade de vítima, mas retornou ao Ministério Público Federal de Curitiba por meio de pagamento realizado pela própria Petrobrás nos Estados Unidos da América, desta feita na condição de ré. Com efeito, tais recursos seriam utilizados para, dentre outras finalidades não institucionais, a promoção da “formação de lideranças e do aperfeiçoamento das práticas políticas” não fosse a decisão do ministro Alexandre de Moraes na ADPF 568 por provocação da Procuradoria-Geral da República.”.
Dentre seus fundamentos, o ministro Dias Toffoli mencionou trecho do relatório do CNJ que trata da gestão de recursos oriundos de acordos de colaboração premiada e de leniência, dentre os quais o da Odebrecht, o que segundo o ministro também deixa patente o conluio entre magistrados e procuradores da república de Curitiba, assim como as irregularidades administrativas na custódia e destinação dos referidos recursos:
“Extrai-se do estudo das informações até aqui obtidas que, durante a operação denominada Lava Jato, o então juiz federal SÉRGIO FERNANDO MORO e integrantes da denominada força-tarefa da Lava Jato, coordenados então pelo procurador da república DELTAN MARTINAZZO DALLAGNOL, adotaram um critério de destinação de valores decorrentes especialmente de acordos de colaboração ou de leniência que fugia ao critério legal de decretação de perda, previsto como efeito da condenação (art. 91, inciso II, do Código Penal ou art. 7º, inciso I, da Lei n? 9.613, de 3 de março de 1998). Em seu lugar, adotaram um modelo consensual, sob argumento de que os acordos homologados pelo juízo – geravam uma vinculação e que ‘tais valores eram ressarcimentos cíveis relacionados a acordos homologados pelo juízo’ (depoimento de DELTAN DALLAGNOL), ainda que tivessem sido realizados em momentos embrionários da investigação ou da ação penal, em regra baseados em informações de colaboradores.”
De acordo com o relatório do ministro Dias Toffoli, “a estratégia processual adotada de comum acordo entre magistrado e procurador produziu o efeito de expungir do feito a participação de terceiros, sendo, de fato, “atribuída ao Ministério Público Federal a tarefa de identificar todas as vítimas afetadas pelos crimes reconhecidos pelos colaboradores, indicar os destinatários dos valores depositados em contas judiciais vinculadas ao juízo e definir o montante a ser repassado.”
É importante evidenciar que o ministro Dias Toffoli no seu relatório menciona diversos documentos que respaldam as suas conclusões, menciona inclusive o endereços eletrônicos de tais provas, e transcreve diversos diálogos das pessoas envolvidas no âmbito da Lava Jato, obtidos pela Operação Spoofing.
Segundo o ministro Dias Toffoli, “De fato, a atuação processual coordenada entre magistrado e Ministério Público projetou efeitos para o meio social e para o cenário político, o que pode ser constatado pela efetiva migração dos principais protagonistas da “Operação Lava Jato” de suas carreiras no sistema de Justiça para o Poder Executivo Federal, bem como para o Congresso Nacional. As estratégias previamente ajustadas entre magistrado e procurador da República era uma fórmula de sucesso desconhecida do grande público, mas que, no particular, envolvia aconselhamentos, troca de informações sigilosas, dentre outras estratégias que simplesmente aniquilavam o direito de defesa, conforme revelado pelos diálogos obtidos na Operação Spoofing. O grau de comprometimento entre magistrado e procurador pode ser aferido pelas promessas de defesa incondicional pelo Ministério Público de ilegalidades praticadas pelo magistrado – e reconhecidas pelo ministro Teori Zavascki – no episódio de escutas telefônicas não autorizadas. Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001.”
Segundo justifica o ministro Dias Toffoli, “Traçado o objetivo conjunto de obter a condenação de seus alvos, Procurador e Magistrado passaram, deliberadamente, a combinar estratégias e medidas contra o requerente, sobre o qual conversavam com frequência, conforme revelam os diálogos transcritos na inicial. A prisão do requerente, a ameaça dirigida a seus familiares, a necessidade de desistência do direito de defesa como condição para obter a liberdade, a pressão retratada pelo advogado que assistiu o requerente naquela época e que o assiste atualmente estão fartamente demonstradas nos diálogos obtidos por meio da Operação Spoofing, que se comunicam com os atos processuais colacionados aos autos em relação ao requerente.”
Conforme destacado por Toffoli, “Os diálogos apreendidos na Operação Spoofing que, nos últimos doze meses, foram objeto de intensa veiculação pelos portais jornalísticos, destacam conversas entre acusadores e o julgador – Procuradores da República e o ex-Juiz federal Sergio Moro. Assim, fica evidente a relação próxima entre tais atores, que deveriam, em um processo penal democrático e acusatório, restar afastados, pois a função de acusar não pode se misturar com a de julgar. Sem dúvidas, pelo teor das conversas divulgadas, podemos destacar três situações de evidente ilegalidade:
1. Julgador define os limites da acusação e seleciona pessoas a serem denunciadas, ou não, pois prejudicaria apoios importantes;
2. Julgador indica testemunha para a acusação e sugere meios ilícitos para inserção da fonte de prova no processo penal, além de incentivar a sua inserção no processo de modo indevido, como se fosse de fonte anônima;
3. Julgador atua em conjunto com acusadores no sentido de emitir nota contrária à defesa, além de taxar de modo pejorativo as estratégias defensivas. Por óbvio, não se quer aqui vedar qualquer contato entre julgador e as partes do processo. Em prol do contraditório, é louvável a abertura de juízes para receber as partes e obter mais elementos para embasar a tomada da decisão a partir dos fatos provados no processo e das regras legais, constitucionais e convencionais. Inclusive, trata-se de dever do julgador, nos termos do Estatuto dos Advogados do Brasil e nos limites ali previstos. Contudo, neste caso concreto, o contato entre o julgador e os atores acusatórios foi muito além do mero exercício do contraditório.”
De acordo com Toffoli, “Verifica-se, portanto, que o mesmo método adotado em relação ao Presidente Lula foi aplicado ao requerente, até porque seria ele um dos vetores das acusações posteriormente dirigidas ao Presidente da República. De todo modo, passando-se aos diálogos travados entre os representes do Ministério Público, fica ainda mais evidente o bastidor da estratégia de utilização de prisões alongadas, além de ameaças a parentes, sem contar a exigência para a renúncia ao direito de defesa como condição para celebrar a colaboração premiada”. Saliento que o ministro Dias Toffoli transcreveu todos os diálogos em seu relatório.
O link com a decisão integral do ministro Toffoli está AQUI.
A Procuradoria-Geral da República provavelmente irá recorrer.
Com todo respeito ao STF e seus ministros, considero lamentável que uma decisão tão importante tenha seu cerne fundamentado em trocas de mensagens obtidas por um hacker, o que a meu modesto ver viola o disposto no inciso LVI do artigo 5º da Constituição Federal que determina que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Vale lembrar que conforme noticiado pelo G1, em 12 de abril de 2021, às 21h33min, “A análise pericial da Polícia Federal concluiu que não é possível atestar a autenticidade e a integralidade das mensagens apreendidas pela Operação Spoofing.
…
Os peritos analisaram mais de 19 milhões de itens digitais, entre arquivos de texto e multimídia, e apontaram que esse material não possui assinatura digital entre outros mecanismos que permitam identificar se houve alteração, inclusão ou supressão de informações em relação aos arquivos digitais.” (Leia aqui)
E você, diante dos fundamentos expostos pelo ministro Toffoli, sintetizados nessas poucas páginas, concorda com a decisão? Deixe seu comentário por favor.
Foto da Capa: Agência Brasil
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