Quem acompanha futebol já deve ter visto o menino Guilherme Gandra Moura, conhecido como “Gui”. Ele vem se tornando um verdadeiro torcedor-símbolo do clube carioca Vasco da Gama. Ficou conhecido após viralizar um vídeo seu, no reencontro com a mãe, depois de 16 dias em coma.
Gui sofre de epidermólise bolhosa, uma doença genética rara que fragiliza a pele, fazendo com que surjam feridas e bolhas ao menor atrito. É uma enfermidade autoimune, sem cura conhecida e não é contagiosa. Após ser visitado por um jogador do Vasco, quando ainda estava no hospital, foi “adotado” pelo clube e pelo elenco, participou de treinos da equipe. Nas suas últimas peripécias, esteve com o presidente Lula no Palácio do Planalto e entrou em campo com a seleção brasileira no Maracanã.
Gui tem 9 anos, mas aparenta ter menos, seja pelo tamanho ou pela voz infantil. A dermatologista Zilda Najjar Prado de Oliveira explica que “por causa das feridas, é comum que o paciente tenha dificuldades para crescer e ganhar peso. Para a cicatrização da pele são usados muitos nutrientes que, em situações típicas, seriam requeridos para o desenvolvimento do organismo.”
A alegria e inocência de Gui o transformam em uma celebridade querida por todas as torcidas de futebol. As feridas e bolhas na pele, característica de sua condição, fazem parte de seu visual, assim como os itens de proteção, como gaze, boné e óculos de sol. É preciso cuidado, qualquer machucado pode formar bolhas e descolar sua delicada pele.
A presença de Gui, e sua fofura, trazem curiosidade e levam informação sobre a epidermólise bolhosa. Já o desconhecimento e ignorância levaram Theo Colker aos jornais e televisões em 2013. Quando ele tinha 4 anos, ele e sua família foram barrados em um voo: os responsáveis pela aeronave temiam que a doença fosse contagiosa e, como já dissemos, ela não é.
As vidas de Theo e Guilherme têm muitas coisas em comum: a dedicação da família, as entradas e saídas constantes de hospitais com muitas terapias e tratamentos médicos.
Conheci mais da história de Theo ao assistir o espetáculo “Cura”, criado e dirigido por sua avó, Deborah Colker. O espetáculo é emocionante, ainda mais no momento em que assisti: logo após a pandemia, a primeira saída depois do isolamento do covid-19. Deborah não fala em doença, prefere usar a expressão “mutação genética”. Como ela diz: “É importante a gente entender que, quando fala de doença, a gente engessa. Pensar em mutação genética é algo diferente —e, se é diferente, existe um olhar diferente.”
Essa fala tem muito em comum com o pensamento da neurodiversidade e como ver o autismo a partir dela: como uma diferença. Essa mudança permite ver que estamos diante de uma pessoa diferente e exige que nós e o nosso olhar também sejam diferentes. Como ela diz: “possibilita um olhar para a vida diferente, um olhar que a humanidade precisa.”
Ao lembrar conversas que teve com o Rabino Nilton Bonder, ela recorda o ensinamento dele: das diferenças é que surge a evolução. Quem convive com as diferenças do outro sabe que elas têm o potencial de nos mudar. Quando tentamos resolver as novas situações, tornar melhor a nossa vida e de quem está ao nosso lado, observamos que nosso mundo precisa crescer para que alguém diferente possa caber nele. Isso é a evolução, a transformação. Lembrando que, como adverte Deborah, as dificuldades do outro não são “o nosso caminho de luz”.
E aí há outra verdade importante, apesar da aparente e enganosa simplicidade das palavras da avó ao se deparar com uma nova situação: “ A vida não é sobre você, as coisas vão acontecendo, vão se organizando, janelas vão se abrindo, portas vão se fechando.”
Deborah conta que a condição de Theo a fez buscar sua ancestralidade, do judaísmo que está presente na sua história como outras religiões e culturas. Antes, ela discutia com essas histórias, hoje, tenta ouvir o que esses saberes ensinam, busca as conexões que dizem respeito ao humano.
A sua “cura” que dá título ao espetáculo não diz respeito apenas ao corpo, mas também ao emocional e ao espiritual, fala de aceitação e conexão, mais do que pesquisas científicas. Tudo tão profundamente humano mas sem esquecer que “o ser humano é um bicho que, quando se assusta, pode ficar com medo. Ou então enfrentá-lo.”
Que a vida nos assuste, mas que tenhamos coragem de enfrentar nossos medos e também aceitar nossas diferenças, com a alegria do Gui torcendo pelo seu Vasco da Gama.
Foto da Capa: Vasco da Gama | Divulgação