Como mãe de uma menina na “5ª série” (a real, que justifica a fama proverbial), tenho pesquisado, lido e refletido bastante sobre essa fase de transição da infância para a adolescência. É um momento em que as criaturinhas entre 10 e 11 anos ainda correm o tempo todo, brincam como sempre brincaram, perguntam sem parar, mas, ao mesmo tempo, passam a buscar mais privacidade, acham que muitas coisas são “coisa de criança” e portanto não lhes servem mais e enfrentam as mudanças do corpo que já começou ou está começando a mudar. De todas as coisas que aprendi e descobri nesse percurso, a mais marcante sem dúvida é: a infância dura muito pouco! E, mesmo assim, impressiona o quanto ainda exista tanta tentação de encurtá-la.
Uma das minhas músicas preferidas do grupo Palavra Cantada, que tanto ouvi quando minha filha era menor, repete em seu refrão “Criança não trabalha, criança dá trabalho” depois de listar (sugerir, lembrar) um tanto de coisas que são, sim, coisa de criança: lápis, caderno, chiclete, pião, sol, bicicleta, skate, calção, esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão, bola, pelúcia, merenda, crayon, banho de rio, banho de mar, pula-cela, bombom, tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão, giz, merthiolate, band-aid, sabão, tênis, cadarço, almofada, colchão, quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão…
A música já tem um quarto de século. Nesse período, são incontáveis as obras de divulgação científica sérias que demonstram a importância da vivência dos primeiros anos de vida na saúde e no bem-estar das pessoas. E poder brincar livre, ter contato com a natureza e não precisar arcar com responsabilidades ou realizar tarefas que sejam incompatíveis com o desenvolvimento cerebral é fundamental para que esses anos sejam saudáveis. Mais do que isso, já tem mais de 30 anos o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, considerado uma das mais avançadas e completas legislações do mundo nessa área. Ainda assim, vemos os direitos básicos garantidos por ele sendo descumpridos diariamente. Não apenas nas famílias menos favorecidas, mas nas classes média e alta, que são o foco específico deste texto, pois são o recorte da minha realidade privilegiada. Bem recentemente, temos o exemplo da trajetória da atriz e cantora Larissa Manoela, que dedicou toda a infância a montar um patrimônio ao qual não tem acesso.
Aliás, falando em “toda a infância”, você já se deu conta de que, por mais curta que seja a vida de um ser humano, esse período representa um pedaço muito pequeno da nossa existência? Considerando a expectativa média de 70 anos, estamos falando de um mero sétimo do tempo total. Ao mesmo tempo, esses primeiros anos são o alicerce de todos os restantes. E já está firmemente estabelecido que brincando as crianças aprendem muito. Mas, como o senhor mercado não deixa nada passar, vemos por aí muitas atividades conteudistas e repletas de regras e responsabilidades sendo vendidas como “lúdicas” (sendo que o lúdico muitas vezes se resume às cores em que são pintadas as paredes e os objetos do ambiente de aprendizagem).
Se tudo estiver dentro dos conformes, a criança já frequenta a escola, que precisa seguir um currículo de ensino considerado adequado para cada idade. No entanto, pais bem intencionados parecem estar sempre em busca de um “algo a mais” que, especialmente para garantir que seus filhos “se diferenciem da concorrência no mercado de trabalho” e consigam “manter o foco” no rumo ao sucesso. E dê-lhe atividades extras. Gente. São crianças. Elas estão desenvolvendo a autoestima e tateando o mundo em busca do que mais lhes encanta. Se direcionarmos demais, qual a chance de depositarmos sobre elas o peso de expectativas que não lhes pertencem? Acertou quem respondeu “imensa”.
Todos conhecemos (ou vivemos) histórias de adultos infelizes e com problemas de adequação ou saúde mental por terem sido criados para corresponderem à idealização da mãe e/ou do pai – para realizarem por tabela os sonhos que eles não conseguiram (talvez porque tenham se submetido à idealização de seus pais, e assim por diante). A tentação de fazer isso é grande, mas nunca é demais lembrar que ao optarmos por botar mais um ser humano no mundo, precisamos ter consciência de que se trata de um ser autônomo, com personalidade e vontades próprias. A nós, cabe orientar sobre valores e comportamentos adequados à vida em sociedade, de preferência, atrapalhando o mínimo possível (e isso já é tarefa imensa).
Está difícil deixar sua criança ser criança? Busque ajuda! Converse com os profissionais da escola do seu filho e trate-os como parceiros, não como “prestadores de serviço”. E se a filosofia da escola não se guia por essa premissa, talvez seja o caso de mudar de instituição. Caso isso não seja uma possibilidade, invista ainda mais no exemplo e nas conversas dentro de casa. Lembrando que além da vasta literatura existente sobre isso, a Internet tem boas fontes de informação disponíveis.
Acima de tudo, prestemos atenção nas nossas crianças. Sabemos que tipo de coisa as encanta? Se as telas são inevitáveis, que saibamos o que está sendo transmitido por elas. Saber o que nossos filhos estão jogando, vendo, ouvindo ou lendo, sobre o que conversam com os amigos, nos ajuda a conversar com eles, e pode se tornar uma bela fonte de conexão. E lembremos sempre que somos seres sociais, promover o convívio com outros serzinhos da mesma idade também pode ajudar a enriquecer mais essa passagem do tempo. Aqui em casa, ao menos, é no grupo de amigos que a nossa adolescente de 11 anos vira a criança de 11 anos, e eu espero que a parte positiva desse momento (da curiosidade e do gosto pela brincadeira, típicas da 5ª série que existe dentro de cada um de nós) nunca se perca.
Foto da Capa: Acervo da autora