Dia desses bombou pelas minhas redes sociais o reels do Perfil Fala Feminina com uma reflexão a respeito das despesas de existirmos como mulher. Essa reflexão da Fatima Torri, jornalista e criadora de conteúdo deste perfil, me provocou a pensar sobre a diferença entre autocuidado e beleza, pois entre os itens que ela cita como despesas, estão absorvente, pílula, sobrancelha, academia, botox, manicure e pedicure, ginecologista (se quiser assistir, link aqui). Existe limite entre eles?
Autocuidado, a confusão
Visto que existe a ideia de que se nossos corpos não seguem o padrão é sinal de que não nos “cuidamos”, vem a pergunta: o que é, afinal, autocuidado? No país que é o segundo colocado em cirurgia plástica estética no mundo, essa é uma resposta difícil. No episódio 162 do podcast Bom Dia Obvius, Marcela Ceribelli conta que foi convidada para ir a um espaço em São Paulo com muitas promessas de relaxamento, onde ela iria encontrar o “seu melhor eu”. Ela acreditou que receberia uma deliciosa massagem, e aceitou. Dias depois, um email informava que, na tal casa, as atividades que ela faria seriam avaliação corporal e análise da sua pele. Ué? O que há de relaxante em ser avaliada e ser informada do quanto de massa corporal você precisa perder e o quanto a sua pele precisa de reposição disso e daquilo? Estamos falando de autocuidado ou de padrão estético, nesse caso? E quantas dessas armadilhas a gente cai por aí, né?
Autocuidado, o que não é
Entre os grupos de mulheres que participo, tenho a felicidade de estar no PPK Púrpura, onde realizamos Saraus mensais a respeito de algum tema feminino e feminista, quando levamos poemas, letras de músicas, histórias e depoimentos para a conversa. Numa das suas edições, um dos temas foi justamente sobre o que trato hoje aqui. Lá convergimos que autocuidado é totalmente diverso de beleza, ou seja, fazer as unhas, depilar, escovar e alisar cabelo, branquear os dentes, botox, procedimentos estéticos…no geral, estas são formas de manter um padrão estético e, muitas vezes, gastar um dinheiro que nem temos. E que está tudo bem fazer tudo isso, desde que cada uma tenha clareza de que essas tarefas e despesas não se tratam de autocuidado e que a gente se observe para entender os motivos que nos levam a fazer: é por causa da pressão social ou para agradar a si mesma? Para qual propósito está servindo aquela atividade? Exemplo: ao fazer as unhas, está fazendo por que te sente mal ao imaginar sobre o que amigos e colegas pensarão ao vê-las descascadas ou faz para ter um tempinho contigo mesma e te sentir bem cuidada? Seu corpo, suas regras (e seu bolso).
Autocuidado, o que é?
Chegamos à conclusão de que o autocuidado tem várias dimensões: física, social, mental, espiritual, como por exemplo, nos manter longe de pessoas tóxicas, realizar atividades físicas, ir ao médico preventivamente e realizar os exames, estar próximas da natureza, promover grupos minorizados e a sustentabilidade do planeta, fortalecer as nossas redes afetivas positivas, desenvolver a nossa espiritualidade (ou religiosidade), estabelecer propósitos para a nossa vida.
Para mulher, com o passar do tempo, como fica?
Convivendo com muitas mulheres de todas as idades e classes sociais ao longo da minha vida, o que observo é que para aquelas que pautaram a vida a partir do olhar enviesado do autocuidado como se ele fosse apenas beleza, buscando alcançar os padrões estéticos impostos pela sociedade, a aceitação do envelhecimento se torna mais difícil, pois as demais dimensões do autocuidado nem sempre foram cultivadas e o vazio e a desvalia se instala ao longo do tempo. Se as mulheres mais novas têm o benefício da juventude nessa sociedade dominada pela lógica masculina, nós, as mais velhas, sofremos com cobranças sociais ainda maiores para nos encaixar nos padrões estéticos, pois precisamos “manter” a juventude (que jamais retornará).
Perceba a quantidade de perfis existentes e crescentes nas redes sociais “proaging”, “antiaging”, “coaches”, “influencers” para nos ensinar sob o manto do autocuidado e bem-estar como nos manter “joviais”. Aliás, uma outra ideia que também nos é implantada atualmente, é de que na medida que nosso autocuidado se completa (aquele lá das tarefinhas que querem nos manter presas no tal padrão estético), maior será nosso bem-estar e mais felizes seremos. Só que essa tal lista do autocuidado nunca se acaba! Só a quantidade de creme pro rosto é infinita!
O autocuidado é coletivo
Numa entrevista onde abordou o tema do autocuidado, a psicanalista Vera Iaconelli declarou que o “olhar do autocuidado só tem sentido se for pensado como um cuidado que você cuide de você, para não ser um peso para o outro, mas que também inclua nessa conta cuidar do outro. Senão, a gente vai reproduzir um discurso neoliberal que leva todo mundo para o precipício, como tem levado. A ideia de autocuidado é muito bem-vinda desde que não seja absolutamente individualista. Senão, todos padecemos”. O que achei que faz todo sentido num país como o Brasil e num momento do mundo em que me parece que o discurso do eu está acima do nós.
Acredito nas micro revoluções, naquelas que fazemos no grupo de amigos, na família, na equipe de trabalho, nas atividades voluntárias, a partir do autocuidado, das transformações promovidas em nós mesmos.
E como a Rainha Rita Lee nos ensina, “me cansei de lero-lero, dá licença, mas eu vou sair do sério. Quero mais saúde e me cansei de escutar opiniões. Eu sei que agora eu vou cuidar mais de mim. Apesar, contudo, todavia, mas, porém, as águas vão rolar e, se morrer do coração, é sinal de que amei demais. Mas enquanto estou viva e cheia de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz”.
Foto da Capa: Max Nikhil Thimmayya/ Pexels