Mando, por aqui, com a pretensão de ser lido, ao menos por alguns deles, uma sugestão aos 20 deputados e deputadas federais integrantes do grupo de trabalho criado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, para analisar o Projeto de Lei 2630/20 que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, apelidado PL das Fake News:
Leiam, Excelências, o livro A Máquina do Caos, do repórter Max Fisher, do New York Times, editado no Brasil em 2023 pela Todavia com tradução de Érico Assis.
Fisher esteve no Brasil, andou no México, foi a Alemanha e a Mianmar para produzir uma densa reportagem sobre os impactos das redes sociais na vida de cada pessoa, das empresas e dos governos. As senhoras deputadas e os senhores deputados nem precisam ler o livro inteiro, até porque em qualquer página que abrirem vão encontrar informações de assustar qualquer um que tenha alguma preocupação com a vida em sociedade nestes tempos de relações sociais quase que totalmente pautadas pelas redes sociais.
Volto ao PL das Fake News. O autor do projeto é o senador sergipano Alessandro Vieira, do partido Cidadania. A proposta foi aprovada no Senado Federal há quase quatro anos, precisamente no dia 30 de junho de 2020. E foi encaminhada à Câmara dos Deputados, onde tramita em velocidade pré-Internet.
Veja só: o PL das Fake News chegou à Câmara em 2020. Somente no dia 25 de abril de 2023 teve aprovado um requerimento para tramitar em regime de urgência. Aí, o presidente da Câmara criou o grupo de trabalho para analisar o projeto, o que antes de ser um acelerador, funciona como redutor de velocidade na tramitação.
Só a polarização política, que limita e torna raso o debate político, pode criar tantos obstáculo à votação de um projeto de lei que, entre outras providências, exige mais transparência e maior fiscalização das redes sociais, das plataformas e aplicativos de mensagens instantâneas e as obriga a atuar para retirar do ar ou diminuir o alcance de postagens que propaguem o ódios, a desinformação e incitem o terrorismo, os golpes de estados, a violência contra crianças e adolescentes, contra a mulher, o preconceito e a discriminação.
Os contrários a essa regulamentação, capitaneados por representantes dos partidos Novo e PL (sempre eles…) e por fiéis da Frente Parlamentar Evangélica, alegam que a proposta ataca a liberdade de expressão e é uma tentativa de amordaçar a oposição. Os evangélicos da Câmara dos Deputados são contra a criação de uma autarquia para fiscalizar a aplicação da lei e propor investigações contra empresas que não cumpram as regras estabelecidas. E não adianta os apoiadores do projeto e até o presidente da Câmara, Arthur Lira, lembrarem que a liberdade de expressão está garantida na proposta…
Antes de voltar à Máquina do Caos, lembro uma tragédia, consequência dessa liberdade de se postar tudo o que se quiser nas redes sociais. Em 2014, Fabiane Maria de Jesus, dona de casa em Guarujá, litoral paulista, foi linchada quando voltava para casa da igreja onde tinha esquecido a Bíblia. Lembra por que Fabiane foi assassinada?
Ela foi confundida com um retrato falado que ilustrava a notícia falsa postada no Facebook sobre uma sequestradora de crianças que estaria agindo na cidade. Até hoje a família de Fabiane busca reparação na Justiça…
Agora, de volta ao livro de Max Fisher, que pretende jogar luz nos impactos provocados pela redes sociais na vida da humanidade e como elas disseminam desinformação e estimulam comportamentos extremistas. Aqui no Brasil, ele conta várias histórias e mostra como as redes sociais influenciam no crescimento da extrema direita. Como a de um jovem de 16 anos que criou uma banda com amigos em Niterói, no Rio de Janeiro. Para melhorar a performance no violão, o garoto assistia a tutoriais na Internet.
Um dia, o músico iniciante foi direcionado pela plataforma a um professor de música que, no meio de vídeos caseiros sobre música, postava sobre política e acusava políticos e professores de fazerem doutrinação comunista e homossexual… O adolescente passava cada vez mais tempo no site e o Youtube lhe sugeriu outros blogueiros de extrema direita. Entre eles, um dia, apareceu… o então deputado Jair Bolsonaro. Aos 18 nos, o jovem filiou-se ao então partido de Bolsonaro e disse que as redes sociais “acordaram os brasileiros”.
Fisher também relata o caso de mães, em Maceió, que, em 2015 recusavam usar a vacina contra a Zica por terem visto nas redes sociais que a doença não era causa pelo vírus transmitido por um mosquito, mas por vacinas com validade vencida. Não adiantou a médica que assistia o grupo de mães explicar que aquilo era uma falsidade. Prevalecia a versão das redes sociais.
O autor de A Máquina do Caos foi a Mianmar para recontar a história de um massacre que deixou, segundo a ONU, mais de 25 mil mortos e 700 mil refugiados. Lá, em 2012, lembra Fisher, um extremista antimuçulmano mentiu, em postagem no Facebook, que uma menina budista foram estuprada por muçulmanos. A mentira viralizou e provocou a onda de violência entre a maioria budista e a minoria muçulmana na região chamada Rakhine.
Do Sri Lanka, Fisher conta a história da série de assassinatos que eclodiu depois de um boato de que turistas estavam sequestrando crianças para tráfico de órgãos. Do Brasil, ele também conta histórias de inocentes vídeos de crianças desviados para plataformas com conteúdo sexual.
Então, senhoras deputadas, senhores deputados, vamos dar um jeito nisso?
As narrativas das redes sociais estão levando vantagem sobre a vida real de todos nós. E sabem com que intenção: ganhar poder e dinheiro. Como disse o jovem músico levado a se filiar ao bolsonarismo, “eles não pensam em esquerda e direita, eles só pensam em dinheiro”. E esse dinheiro, já se vê, está fortalecendo mais os extremistas de direita, cada vez mais presentes nas redes sociais e nas nossas vidas.
Pensem nisso, Excelências, nas reuniões (aliás, já marcaram alguma?) do grupo de trabalho que vai analisar (o que fizeram com ele desde 2020?) PL das Fake News. A sociedade agradece.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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