Quando Roland Barthes, na sua célebre Aula Inaugural no Collège de France (1977), anunciou que “A língua é fascista!”, naquele típico Modo Parisiense de Chocar (MPC), ele queria dizer que ela não é “nem progressista, nem reacionária”: a língua não nos impede de falar, mas, ao contrário, ela nos obriga a falar! E a falar de uma determinada maneira: “nós não falamos” segundo um autônomo uso da língua, nós “somos falados” por ela – há um conjunto “autoritário” de regras gramaticais, lexicais, sintáticas, semânticas, ortográficas, morfológicas… que precedem o seu uso e que nos força a falar de um certo modo se quisermos nos fazer entender ou se referir a algo na realidade. Quer coisa mais… fascista? Estamos, então, numa aporia: Barthes deveria, neste caso, ficar calado, já que usar a língua “fascista” é reconhecer sua legitimidade, atestar seu valor de uso. Claro, qualquer bartheano me dirá que ele estava usando as armas do inimigo para combatê-lo (este “combate”, aliás, termina sempre rendendo ao autor uma cátedra no Collège de France!). O problema está aqui: como romper com o significante (as palavras) e cortar a relação entre ele e a coisa que ele designa (o projeto de Mallarmé), reinventando uma linguagem?
Isso me inspirou a lançar um desafio aos professores e alunos da área de Educação, exatamente no Dia da Educação (28 de abril): peço-lhes que escrevam um artigo “científico” sobre um tema de sua livre escolha, segundo o “marco teórico” que melhor lhes aprouver, para publicação em uma “revista indexada”, mas que nele – no artigo- não possam aparecer as seguintes palavras ou expressões: lugar de fala, protagonismo, territorialidade, decolonialidade, criticidade, prática discursiva, desconstrução, pós-estruturalismo, competência sócio-emocional, subjetividade, competitividade, aprendizagem por problemas, pós-colonialidade, cidadania crítica e interveniente, espírito de equipe, inéditos viáveis, emancipação...
O objetivo deste desafio é simples: somos constrangidos, segundo Barthes, por uma estrutura vocabular, uma semântica pedagógica “fascista” que nos obriga a falar, escrever e pensar de certo modo, mas o objetivo do uso da “língua fascista” é, curiosamente, emancipar e conscientizar as vítimas de sua dominação, numa estranha estratégia em que o “fascismo” (da língua) serve à libertação de seus usuários! No fundo, todo este vocabulário não passa de batidos clichês pedagógicos que nos oferecem um gostoso sentimento de familiaridade ideológica (de direita ou de esquerda), mas pouquíssima “emancipação”! À exceção, claro, dos autores de artigos. Como eu!
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Foto da Capa: Roland Barthes no Collège de France (1977) / Reprodução