No final do ano passado, entre 25 de novembro e 1º de dezembro, representantes de órgãos governamentais, ONGs e indústrias se reuniram na cidade litorânea de Busan, na Coreia do Sul, para participar da reunião do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC) das Nações Unidas. O objetivo era avançar na construção de um Tratado Global para a Poluição Plástica, que busca soluções para todo o ciclo de vida desse material – da produção ao descarte.
Essa foi a quinta reunião do comitê, instalado em março de 2022. Apesar de alguns avanços, o encontro terminou sem consenso, marcado por severas divergências entre os participantes.
O ponto de conflito: redução da produção de plástico
O maior impasse girou em torno da necessidade de reduzir a produção de plásticos. Mais de 100 países, liderados pelo Panamá, defenderam a inclusão de metas de redução na produção global. Em contrapartida, os países produtores de petróleo e as indústrias plásticas pressionaram para que o tratado se concentrasse apenas na reciclagem e no descarte adequado – medidas que não afetam diretamente seus negócios.
O esforço global para estabelecer esse tratado reflete o reconhecimento da gravidade da poluição plástica. No entanto, fica evidente que estamos longe de uma solução concreta.
Nossa dependência do plástico
Um dos principais desafios é a enorme dependência do plástico na sociedade moderna. Como escreveu Vaclav Smil [2], o plástico é um dos quatro pilares da civilização moderna (ao lado da amônia para fertilizantes, do concreto e do aço).
O plástico está em tudo: no dia a dia, presente em utensílios domésticos, roupas, automóveis, aviões e embalagens. Na saúde, onde é essencial para seringas, cateteres, bolsas de sangue, equipamentos cirúrgicos e hospitalares. Na indústria, na construção civil e na tecnologia.
Sua versatilidade, durabilidade e baixo custo o tornaram indispensável. Mas isso também trouxe uma crise ambiental sem precedentes.
O impacto da poluição plástica
Em 2023, o mundo produziu mais de 400 milhões de toneladas de plástico. Se a tendência atual continuar, esse número pode ultrapassar 1 bilhão de toneladas até 2050. A maior parte desse plástico é descartada de forma inadequada. Veja alguns dos desafios que estamos enfrentando:
Duração do plástico na natureza: leva em média de 400 a 600 anos para se decompor no meio ambiente, acumulando-se em solos, florestas, rios e oceanos.
Microplásticos: pequenas partículas já estão presentes em organismos vivos, nos solos, na atmosfera, nos oceanos, na água potável que consumimos e até no nosso sangue e cérebro.
Produtos químicos tóxicos: utilizados para conferir diferentes propriedades ao plástico, essas substâncias estão associadas a doenças hormonais, câncer e outros problemas de saúde.
Emissões de gases de efeito estufa: O plástico é derivado do petróleo e sua produção, uso e descarte contribuem para o aquecimento global.
O que podemos fazer?
Diante da enorme dependência do plástico e de seus impactos negativos, temos três caminhos principais: substituir, reciclar e descartar corretamente.
Substituição
Embora substituir o plástico seja difícil, existem alternativas viáveis, principalmente para os produtos de uso único:
· Sacolas reutilizáveis (de bioplástico ou lona) no lugar de plásticas descartáveis.
· Garrafas de vidro ou metal para reduzir o consumo de garrafas plásticas.
· Embalagens de papelão e potes de vidro como substitutos para muitos produtos embalados em plástico.
· Materiais naturais como fibras de bambu e coco para utensílios domésticos.
· Bioplásticos, como o PLA (feito de amido de milho ou cana-de-açúcar), biodegradáveis e menos poluentes.
O maior obstáculo para o bioplástico é o custo elevado. No entanto, incentivos governamentais e a produção em larga escala podem tornar essa opção mais acessível.
Reciclagem: um conceito que falhou?
A reciclagem do plástico é frequentemente promovida como solução, mas a realidade é diferente. Apenas 9% do plástico produzido no mundo é reciclado. No Brasil, esse número sobe para 26%, mas ainda significa que 74% não são reaproveitados. Mais alguns pontos:
· O plástico pode ser reciclado apenas uma ou duas vezes antes de perder qualidade.
· Muitos tipos de plásticos são difíceis e caros de reciclar, dificultando sua reutilização.
· A indústria do petróleo e os fabricantes de plástico usam a reciclagem como desculpa para evitar compromissos reais com a redução da produção.
Mesmo assim, iniciativas pontuais funcionam. No Brasil, uma grande engarrafadora aumentou o valor pago por garrafas PET usadas, elevando a taxa de reciclagem dessas embalagens para mais de 50%. Mas insisto nesse ponto: com apenas 9% do plástico sendo reciclado no mundo, não podemos contar com a reciclagem para resolver o problema.
Descarte seguro
Se o plástico não pode ser evitado ou reciclado, o mínimo necessário é garantir um descarte seguro. O mundo gera cerca de 275 milhões de toneladas de lixo plástico por ano e uma grande parte acaba em lixões a céu aberto ou na natureza.
No Brasil, 45% dos municípios ainda não possuem aterros sanitários adequados. Isso significa que toneladas de plástico acabam espalhadas pelo meio ambiente, agravando a poluição.
Mas há solução. Nos países desenvolvidos, menos de 5% do plástico é descartado inadequadamente. Isso mostra que é possível garantir um descarte seguro, desde que haja investimento e políticas eficazes.
Entretanto, países como China, Índia e grande parte da América Latina e África ainda possuem taxas altíssimas de descarte irregular (entre 25% e 60%). Esse problema só será resolvido com tratados internacionais que garantam o compromisso de todos. No entanto, os países produtores de petróleo e a indústria do plástico têm sabotado essas iniciativas.
O que você pode fazer?
· A mudança começa no dia a dia. Pequenas atitudes fazem a diferença:
· Reduza o uso de plásticos descartáveis (sacolas, garrafas, canudos).
· Prefira materiais reutilizáveis e biodegradáveis.
· Pressione o governo do seu município por melhor coleta de resíduos.
· Exija que empresas adotem práticas sustentáveis.
· Participe de campanhas e iniciativas ambientais.
A poluição plástica é um problema global, mas cada um de nós pode ajudar a reduzir seu impacto. Cada um pode encontrar o seu papel nesse esforço. Não podemos eliminar o plástico da nossa vida, mas podemos evitar que prejudique o planeta e a nossa saúde.
Se cada um fizer sua parte, um mundo sem poluição plástica é possível!
[1]Este é o sétimo artigo da série em que eu discuto soluções e estratégias para o enfrentamento da crise ambiental global. O livro “Planeta Hostil”, assim como uma série de colunas publicadas na Sler, apresentam uma visão detalhada dos problemas causados pela poluição plástica.
[2] Vaclav Smil: Como o Mundo Realmente Funciona. Editora Intrínseca, 2024.
Observação final: O livro “Planeta Hostil” pode ser adquirido em livrarias físicas e online de todo o Brasil, no site da editora Matrix (www.matrixeditora.com.br) e em lojas online. Para opções de compra, vídeos e textos adicionais digite “planeta hostil marco moraes” no seu navegador. Confira também meu perfil no Instagram: @marcomoraesciencia.
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Foto da Capa: Greenpeace/Sungwoo Lee