“O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender”. Alvin Tofler
Li essa frase no livro “Desejável Mundo Novo”, da futurista Lala Dehenzelin, que ganhei na Rio+20, e não a entendi direito naquele ano, 2012. A publicação, onde tomei conhecimento pela primeira vez da Fluxonomia 4D, 20 anos depois da ECO92, apresenta vários cenários que foram pensados no passado e provocam reflexões sobre o que desejamos para o nosso futuro.
Estamos vivendo um mundo que nem é mais VUCA, sigla de Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity (volátil, incerto, complexo e ambíguo), é BANI, que vem de Brittle, Anxious, Nonlinear e Incomprehensible (frágil, ansioso, não linear e incompreensível). Essa última definição foi dada para definir o pós-pandemia por Jamais Cascio, antropólogo e futurista americano, quando percebeu que o VUCA não funcionava mais para explicar o atual contexto.
Acredito que nunca na história do mundo a humanidade foi submetida – ao mesmo tempo, em vários cantos do mundo – a uma experiência de tamanho impacto, como o de frequentar desmedidamente as redes sociais, dos games, da tecnologia viciante. Como será o adulto que desde criança pequena usa smartphones? E do jovem, que boa parte da vida, vira noites sem dormir? E o que representa a senhora que passa o dia vendo e mandando mensagens no WhatsApp ou Facebook? Sugiro conferir o documentário da DW Brasil, que traz a entrevista do coordenador do Núcleo de Dependências Tecnológicas da USP, Cristiano Nabuco.
Esse é um caso que exemplifica bem a sentença do Tofler. Não só em como saber usar a tecnologia a nosso favor, como saber interpretar o que está por trás dos algoritmos, das postagens, das intenções. E, principalmente, como se comunicar, se posicionar usando tantos ambientes diferentes. Estou farta da tal fórmula de lançamento para vender cursos, produtos, serviços. Ou seja, é preciso bem mais que saber ler e interpretar. É necessário hoje termos um comportamento que nos preserve dos golpes, da manipulação. Quem é confiável para dizer o que é melhor para mim ou para o país?
A pós-verdade entrou com tudo porque muita gente acredita, nem duvida do que é dito. Saber ler o que está passando conosco e com o que nos cerca não é uma tarefa muito simples. Precisamos, pelo menos, desconfiar do que é apresentado para nós, pois as coisas podem conter nuances diferentes do que estávamos interpretando. E se uma maquininha ouve o que falamos, apresenta opções sobre o que pesquisamos, como vamos duvidar do seu empenho em nos ajudar?
Tenho contato com pessoas que não têm o hábito de ler jornal, muito menos análises sobre os significados das coisas. Gente que não tem o hábito de estudar e sempre viveu onde nasceu. Nunca conviveu com outras culturas, muito menos colocou o pé fora do Rio Grande do Sul ou do Brasil. O mundo para essas pessoas é o que elas vivem. E ponto. Não conseguem enxergar por outros ângulos. Então, como quem está concretado nas suas certezas poderá desaprender, reaprender?
Taí um dilema do nosso mundo BANI. Em especial na cenografia do palco dessas eleições*. A equação dos nossos tempos pode ser traduzida assim: redes sociais + candidatos com uma receita que envolve colheradas de ódio, intolerância, misturada com ignorância e pitadas de espetáculos ou declarações que geram likes. Depois leva-se ao fogo alto e o resultado é, ou seja, = gente doente (ou por total falta de noção da realidade – viram os ataques que os jornalistas e cinegrafistas têm sofrido? ou por ter um pouco de noção do que tudo que tem acontecido representa…). Não quero e não posso ser maniqueísta. Há vários tons e intensidades entre essas polaridades.
Alguém aí conhece alguma pessoa que não esteja exausta, farta desse emaranhado de narrativas inacreditavelmente absurdas? Enquanto isso, em outras instâncias, a participação para definição de bens de usos públicos, a transparência para que as pessoas tenham conhecimento do que é real e do que é inventado vem sendo deixada de lado, porque boa parte dos seres pensantes estão muito envolvidos em dar respostas, a tentar rebater o que aparece nas redes sociais.
Como jornalista que começou a trajetória batendo a máquina como radioescuta, pegando telex e fax para entregar a editores de um telejornal, acredito que a saída é tentarmos, pelo menos, fazer a parte que nos compete. Tentar estar em paz com a nossa consciência, com o nosso coração. Encontrar formas de criarmos uma resiliência, de pensar que tudo isso vai passar. Como mãe de adolescente, entendo que a alfabetização hoje passa em sabermos compreender vários lados do que é nos apontado como verdade. Procurar despertar o interesse dos jovens para entender os contextos das histórias. E isso é super desafiador para quem é regido por algoritmos.
Por essas, por outras e muitas outras, que eu, e a torcida do Flamengo (ou mais que isso), não vê a hora de terminar esse jogo das eleições. E que prevaleça a civilidade, a democracia! Porque não está fácil ter que conviver com tantas variáveis, típicas do mundo BANI. Tenho também conhecido pessoas, iniciativas que vem procurando disseminar práticas para superarmos esse contexto.
Estratégias da comunicação não violenta
Diante desse universo, busco me nutrir com possibilidades que desbravem novos horizontes fora da mídia convencional. Na edição 154, da HSM Management (que ainda não saiu da gráfica), Juliana Maroto, assina um artigo sobre como saber lidar com conflitos e integrar pontos de vista, favorecendo a confiança entre as pessoas e a segurança psicológica nas relações. Para ela, é “comum as pessoas possuírem pontos de vista diferentes, mas o problema é que fomos educados a pensar de forma binária: bom ou mau, certo ou errado. Diante de um impasse, entramos num jogo de papéis entre vítima ou vilão, buscando quem culpar e fugindo do objeto do conflito. Essa maneira dicotômica de pensar e agir estimula distorções na interpretação das mensagens da nossa comunicação”.
Ela explica que alimentamos uma série de julgamentos, críticas e diagnósticos sobre o outro e isso se reflete na nossa maneira de se comunicar. A maioria de nós não está acostumada a se conectar, a nomear e a expressar sentimentos. Aprendemos com as autoridades de nossa vida – pais, educadores, chefes, entre outros – que nossas atitudes podem irritá-las ou deixá-las satisfeitas. Ou seja, como registramos internamente que somos responsáveis pelo sentimento do outro, achamos que os outros também são responsáveis pelo nosso.
Na verdade, precisamos é ter maturidade para distinguir que não somos tão poderosos. Não devemos em achar que o outro precisa mudar porque estamos convencidos de que sabemos o que é melhor para ele. Aí entra uma prática que tem me ajudado muito (e que exige de exercícios): simplesmente escutar, observar, se esforçar para não julgar o que a pessoa está dizendo.
Pois o negócio complica quando as emoções fervilham, a capacidade de análise diminui e a reatividade aumenta. Quando ter razão importa mais do que o motivo pelo qual divergimos, uma lente de aumento é empregada, e os problemas parecem maiores do que realmente são. Após o debate implodir, cada um faz simplesmente o que está convencido sem dar ouvidos ao outro.
Juliana explica que a maior parte dos desentendimentos ocorre nas relações continuadas. De forma geral, em um conflito lidamos com três aspectos: o objeto da disputa, o relacionamento e a maneira como nos comunicamos. E para começar a fazer diferente em um conflito, é preciso mudar a intenção. Deixando de lado a vontade de convencer o outro, colocamos o foco nas nossas necessidades humanas que compartilhamos no conflito, em vez de nos perdermos em críticas e julgamentos sobre o outro.
A autora dissemina os preceitos da Comunicação Não Violenta, que foi sistematizada por Marshall Rosenberg. A CNV, como é chamada, leva em conta as necessidades de todos os envolvidos. Segundo a CNV, tudo o que fazemos é para cuidar daquilo que é importante para nós como seres humanos, o que chamamos necessidades humanas universais. Alguns exemplos de necessidades são segurança, reconhecimento, respeito, apoio, bem-estar, liberdade, afeto, comunicação. Todos nós temos as mesmas necessidades, mas o que nos distingue são as estratégias usadas para atendê-las.
Acho que seria muito bom alguém criar espaços de prática para a CNV dentro e fora das redes sociais. Estou precisando exercitar minha musculatura emocional. Mas seria possível? Para isso, mais uma vez, precisaríamos estar abertos, querermos aprender, desaprender e reaprender. E dialogarmos, partirmos de pontos que temos em comum e não de divergência. Topa esse desafio?