Dias desses, estava passando pela Praça André Foster, em Porto Alegre, e lembrei dele. Dele quem? Do André, ora. Quando o conheci, ele já era uma referência na política gaúcha, expoente da luta pela redemocratização. Inteligente, ansioso, humor ácido. O André morreu nos anos 90, de câncer, e deixou um legado de combatividade, mas deixou outros legados, como a sua filha, a Tati, a ex-jornalista que virou uma talentosa chef de cozinha, o que comprova que a gente sempre pode dar boas viradas na vida.
Lembrando do André, me dei conta de que eu já conheci várias pessoas que viraram nomes de praça, de ruas e avenidas. Pessoas que viraram fotos na parede, numa galeria de homenageados. Pessoas que têm 30 anos não podem ter essas memórias, do que se conclui que já andei bastante pela Terra. Mas é aí que vem o pior, a conclusão: as pessoas morrem de verdade. Desaparecem, simplesmente. É como uma maratona. Começam centenas de pessoas amontoadas na largada e, aos poucos, elas vão sumindo, ficando para trás. E nunca vão cruzar a mesma linha de chegada que você. Já tive amigos que morreram cedo. Mas era isso, morreram cedo, um acidente da vida, achava eu.
No mundo dos vivos, até que achei divertido quando tirei meu carteirão para poder estacionar nas vagas especiais de 60 mais. Meio tensa, foi a experiência no caixa de idosos no supermercado. A primeira vez fui com vergonha, será que as pessoas vão achar que tenho mesmo direito de estar nessa fila? Será que uma velhinha vai me xingar por eu estar tirando o lugar dela na fila? Mas ninguém me olhou atravessado, ninguém achou estranho. Certo, caiu a ficha, o velhinho agora sou. E sou eu quem olha de cara feia quando um garotão se apresenta na fila preferencial.
Então, volto à questão. Por que mesmo há só umas caixas preferenciais para idosos, só umas poucas vagas no estacionamento para os 60 mais, enquanto há centenas para os 60 menos? A mesma resposta: porque as pessoas morrem pelo caminho. Então, ter um carteirão de idoso é de alguma forma um troféu de sobrevivente, mas cujo mérito é questionável.
Descemos esse rio da vida agarrados em troncos, mas alguns largam com troncos menores, precisam de mais força e podem se cansar antes. E se ainda der azar na correnteza, ela vai te levar para a beirada mais cedo e você vai ficar trancado lá. Então, eu estou aqui, agarradinho, firme no meu tronco, saboreando o céu azul, a mata verde nas beiradas do rio e respirando. Sinto às vezes a água mais quente, noutras já sinto mais frio. E vamos. Não desejo nome de praça. Acho que o André daria uma boa gargalhada de ver o seu nome lá. E sei que, quando meu tronco trancar na beirada, vou subir e sentar no barranco lá em cima. E, pela última vez, vou abanar quando você passar para eu seguir junto, descendo na lembrança que você vai levar de mim.
Todos os textos de Luiz Fernando Moraes estão AQUI.
Foto da Capa: Gerada por IA.