Durante a campanha eleitoral de 2024, escrevi, aqui, sobre os aldrabões que tentavam se eleger prefeitos em muitas cidades. Algumas importantes, como a capital paulista. Deixei de citar o personagem que garante a existência do aldrabão: o pascácio. As duas figuras existem desde sempre. São como o vigarista e o otário.
Mas é atualmente que vivemos a maior safra de aldrabões e pascácios. Eles crescem e se espalham nas terras livres das redes sociais. Sabe aquela expressão “é um artista” que a gente usa nos bate-papos informais – à mesa de algum restaurante, boteco – para definir o cara espertalhão, que falseia as coisas, vende gato por lebre?
Então… esse é o aldrabão. Um artista da maldade. Eu dei uma rápida pesquisada e encontrei, na Wikipedia, um aldrabão antigo, que só começou a se perder quando desconfiaram dele. O nome do cara é Artur Virgílio Alves Reis, nascido em Lisboa em 1896. Pois o Artur – filho de pais pobres – até pensou em ser engenheiro. Casou com a Maria Luisa, moça de família bem posta na sociedade naquele começo do século 20. No mesmo ano do enlace – 1916 – cansado das humilhações que lhe impunham os parentes ricos da esposa – o esperto decidiu imigrar para Angola.
E aí começam as aldrabices do Artur que, para chegar à colônia africana, se fez passar por engenheiro com diploma falso de Oxford, de uma tal Polytechnic School of Engineering, que nem existia… De lá para frente, foi um golpe depois do outro. Em 1924, foi preso pela primeira vez por passar cheques sem fundos. Mas ficou menos de dois meses na cadeia. Foi solto por (acho que já vi gente se beneficiando disso mais recentemente) pormenores processuais…
Aqui, entra em cena o nosso outro personagem: o pascácio. Artur só não cometeu crime de sangue. Ele foi um artista da bandidagem. Comprou empresas, falsificou dinheiro, era generoso com os pascácios que o ajudavam e deixava com eles 75% do dinheiro falsificado. Mas com os 25% que lhe tocavam, fundou o Banco de Angola e Metrópole. E começou a dançar…
Os negócios um tanto obscuros do Banco de Angola e Metrópole e cochichos sobre falsificação de dinheiro aguçaram a curiosidade dos jornalistas – sempre os jornalistas a “atrapalhar” – de O Século, jornal português da época. Em 5 de dezembro de 1925, a desconfiança virou reportagem. Naquele dia, O Século publica a história das aldrabices do Artur Virgílio Alves Reis, que foi preso na manhã seguinte.
Em 1930, o espertalhão foi condenado a 20 anos, divididos em 8 de cadeia e 12 de degredo. Saiu da prisão em 1945. Um banco quis contratá-lo, mas ele, honestamente, recusou. Sete anos depois, deu outro golpe. Vendeu 6400 arrobas de café angolano a um comerciante português. O pascácio pagou-lhe 60 mil escudos. O café não existia… Artur Virgílio Alves Reis morreu de infarto em 1955. Estava solto.
Quem não conhece, pelo menos, um aldrabão? Não precisa ser um aldraBÃO. Afinal, um aldrabãozinho qualquer, hoje, com todas as ferramentas que a tecnologia lhe põe à mão, pode ludibriar muita gente, falsear histórias, adulterar imagens, atacar pessoas e instituições e até tentar um golpe de estado, provocando mais estragos do que vários Arturvirgilios de antigamente.
Abra aí uma rede, um aplicativo, clique num link qualquer e pode pular na tela do seu celular, do seu computador, do seu tablet, um monte de aldrabices disfarçadas de notícias sérias…
O aldrabão tecnológico, informatizado, é um ilusionista. Ele manipula manchetes, monta falsos cenários, cria narrativas de acordo com seus próprios – e quase sempre inconfessáveis – interesses. O aldrabão digital é tão esperto que descobriu, na frente da gente honesta, que o escândalo engaja mais que a verdade. Ele sabe que o algoritmo pode ser seu sócio. Então, publica vídeos truncados, dados descontextualizados, toma declaração de terceiros e as publica fora de contexto…
Mas, principalmente, o aldrabão sabe que, como diz o samba de João Correia da Silva e Manoel Brigadeiro, neste mundo tem bobo pra tudo… Volte a 2024 e lembre quantos paulistanos acreditaram nas aldrabices de um dos candidatos…
São os pascácios, os bobos, os crédulos que compartilham tudo o que leem, desde que venha com a grife de um influencer qualquer, com algum nome famoso, desde que publicada por um suposto empreendedor de sucesso, mesmo que o sucesso seja resultado de algum golpe contra desavisados pascácios.
São esses crédulos que garantem o sucesso do aldrabão. Eles comentam como se fosse de hoje o trecho manipulado de uma notícia do ano passado e assim se multiplicam as aldrabices. O malandro publica, o pascácio comenta, o malandro replica e a coisa vai tomando jeito de verdade…
Precisamos prestar muita atenção a aldrabões e pascácios. O país vive tempos de uma certa tensão, que vai crescer na medida em que se aproximam as eleições gerais de 2026. As pesquisas de opinião têm mostrado um clima favorável ao surgimento do candidato aldrabão. O eleitorado tem se manifestado mais contra os principais candidatos do que favorável a algum deles.
Clima ótimo para o surgimento de candidatos que se apresentam contra “tudo isso que está aí”, que negam a política fazendo a pior das políticas, gente que aproveita os malfeitos de alguns como se fossem defeitos de todos… Já vimos esse filme, onde quem sofre no fim somos nós, os eleitores.
Tivemos, em 1989, na retomada do nosso direito de eleger o Presidente da República, a vitória de Fernando Collor. O então jovem governador de Alagoas engambelou a maioria com a fantasia de caçador de marajás, que iria fazer um novo Brasil. Deu no que deu. Foi impichado por corrupção ainda no meio do mandato. Em 2018, apareceu o deputado do baixo clero esbravejando contra a corrupção. Passou quatro anos no Palácio do Planalto destratando as instituições… Perdeu a tentativa de reeleição e tentou um golpe… Só fez aumentar a descrença na política e crescer o time dos pascácios, que até hoje acreditam nele…
Mas nem tudo está perdido. Os golpistas de 2023 vão a julgamento. Os golpistas, os seguidores conscientes deles e os pascácios, inocentes úteis usados na trama. Então, tenhamos esperança de que entre aldrabões e pascácios, aumente o time dos desconfiados que observam o teatro da política, meio rindo, meio indignados. Precisamos de gente que desconfie da manchete gritada em maiúsculas nas redes sociais, gente que lê antes de compartilhar, pessoas que pensem antes de postar.
Os aldrabões vivem da mentira e crescem na ingenuidade dos pascácios. Aos lúcidos, fica o papel, difícil mas fundamental, de não deixar que a internet vire um manicômio digital onde aldrabões e pascácios, livremente, vão empurrando o país rumo à mediocridade e à insensatez.
Pense nisso… E ajude o próximo a não ser mais um pascácio nas redes sociais.
Todos os textos de Fernando Guedes estão AQUI.
Foto da Capa: Do filme Os Grandes Aldrabões / Irmãos Marx