Publiquei aqui Estado de férias com um tanto de pesar, porque o título prometia, talvez, algo mais frívolo, leve. Ao mesmo tempo, certo peso parecia importante para a consistência e, também, consciência de alguns temas. Ainda assim, acredito na leveza.
Quando Calvino escreve com e sobre a leveza, eu o admiro com deleite. Mestre que era, o fazia com o justo controle da tinta. No entanto, também me encontro com a literatura de Carolina Maria de Jesus que, apesar do peso da vida na favela do Canindé, obtinha na leveza da caneta uma sustentação. Nem melhor, nem pior; são duas experiências literárias de texturas diferentes.
Com este exemplo, não fica difícil admitir que as descontinuidades – entre elas, o peso e a leveza – podem ser valiosas na modulação do viver. Isso não significa que com facilidade nos entreguemos a elas. Descontinuar, pausar ou interromper pode ser tão difícil quanto iniciar. Nesse sentido, gosto bastante do encontro com artistas que provocam uma torção na perspectiva do quadro. Do artesanato à galeria, alguns fazem a ruptura da moldura deixando com que a tela transborde ou mesmo saia de seu isolamento e, assim, nos invada. Esses diálogos multidimensionais nos lembram que a cena é apenas um recorte.
No texto mencionado, insinuei que talvez ainda fizesse por aqui uma espécie de redação “Minhas férias”. Acho que não vai dar, mas, em todo caso, é verdade que as férias são também um recorte, uma descontinuidade, inclusive na miséria do mundo.
Afrouxar os ombros e já não carregar nada parece ajudar na conexão com a substância humana, com a nossa essencial falibilidade. Às vezes, o melhor que se pode fazer pela tal saúde mental é se dar conta que não dá para fazer muito. Por exemplo, ficar milionário así nomas, de um dia para o outro. Aliás, relaxar é saber que este nem sequer é um problema, mas que insistir pode chegar a ser. O paradoxo é que forjar um intervalo com as demandas do mundo, ao aliviá-las, de forma fortuita nos qualifica para seu reencontro. Até aqui repasso um trânsito relativamente conhecido.
Outras descontinuidades não são tão lindas. Por exemplo, os discursos sem consequência prática. É o que vemos na política nacional em relação ao garimpo. Desde a emergência yanomami do início do ano passado, o governo brasileiro – apesar da rápida atuação inicial – não pôde implementar uma saída consistente que garantisse não só a saúde dessa população, mas, por tabela, um freio mais contundente na devastação da floresta. E, para dizer o que digo, preciso fazer um intervalo, uma descontinuidade saudável com o meu lulismo. Se bem é verdade que messias nunca me fizeram a cabeça, já há muito desisti dos salvadores da pátria. Então, a melhor ação consequente, sem descontinuidade, é voltar aqui e repetir esse tema, correndo o inevitável risco de pesar o rolê.
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