A vida não para, é certo. E em meio ao turbilhão de caminhos e sentimentos vamos levando ou sendo levados. “Deixa a vida me levar / vida leva eu”, canta Zeca Pagodinho. No andar do viver agitado dos dias de hoje, às vezes inquietante, é saudável desacelerar um pouco. Buscar “um pouco mais de calma, um pouco mais de alma, um pouco mais de paciência”, como sugere a canção “Paciência”*, que Lenine canta lindamente. Foi o que fiz! E ouvir música em uma tarde cinza e silenciosa me aquietou. Restaurou minha paciência, às vezes na “ponta dos pés”, no limite, quase escapando. Sossegada ou inquieta, difícil ou fácil, apertada ou frouxa, ensolarada ou chuvosa, pública ou privada, a vida com trilha sonora harmoniza meus voos, embala meu caminhar, na turbulência ou na paz.
– Desde que passou bem jovem com sua banda pelos festivais de música e tomou as ruas, Chico Buarque, com suas tantas vozes, já me fez e faz cantar e dançar muito. Estimulou e estimula a minha resistência, a minha garra, o meu lazer e a minha esperança. Sempre havia um motivo para brindar a vida, lutar com alegria e emoção pela mudança, pela dignidade, por um país democrático. E ainda há motivos! Então, “Que tal um samba?”, mais uma sugestão de Chico.
“Um samba pra alegrar o dia, pra zerar o jogo / Coração pegando fogo e cabeça fria / Um samba com categoria, com calma”
– Já Paulinho da Viola chegou sinalizando com precisão a passagem do tempo, a correria e a vontade de um encontro, de recolhimento, respeito e humanidade – “Olá, como vai? / Eu vou indo e você, tudo bem? / Tudo bem eu vou indo correndo / Pegar meu lugar no futuro, e você? / Tudo bem, eu vou indo em busca / De um sono tranquilo, quem sabe / Quanto tempo, pois é / Quanto tempo? / Me perdoe a pressa / É a alma dos nossos negócios / Oh! Não tem de quê / Eu também só ando a cem / Quando é que você telefona? / Precisamos nos ver por aí … O sinal / Eu procuro você / Vai abrir, vai abrir / Prometo, não esqueço / Por favor, não esqueça, não esqueça, não esqueça / Adeus”.
Os sinais abrem e precisamos estar atentos aos caminhos que se descortinam.
A música é um combustível fundamental na minha vida desde sempre:
– Caetano Veloso espalhando a sua “Alegria, Alegria” pelo país inteiro – “Caminhando contra o vento / sem lenço e sem documento / eu vou, porque não / porque não!” – em tempos difíceis.
– Gilberto Gil cantando uma história de amor que termina em tragédia em “Domingo no Parque” – “Olha a faca! / Olha o sangue na mão / Ê, José! / Juliana no chão / Ê, José! / Outro corpo caído / Ê, José! / Seu amigo João / Ê, José!”.
– Milton Nascimento mostrando a garra e a ousadia de uma mulher em “Maria Maria” – “Mas é preciso ter força, é preciso ter raça / É preciso ter gana sempre / Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria / Mistura a dor e a alegria”.
São vozes, entre tantas outras, que me embalaram e me possibilitaram abrir janelas e portas internas e externas, apontando caminhos para o entendimento do valor da arte, das relações humanas e do nosso papel no mundo. Como artesãos atentos e cuidadosos, precisamos tecer cotidianamente os fios de uma caminhada ética, diversa e libertária, com respeito, solidariedade e inclusão.
Em um dia de aniversário, recebi um trecho do poema de Maria da Conceição de Deus Lima, conhecida como Conceição Lima, natural de Santana da Ilha de São Tomé, do amigo querido Edson Luiz André de Sousa – “Nada é tão real como esta morada / Nada é tão real como esta morada de esplendor e solidão / onde recusamos atraiçoar a promessa da luz / Anunciados fomos antes dos erros, enganos e perfídias. / Uma a uma, apagaremos as estrelas de mentira. / Removeremos dos caminhos o lixo e os entraves. / Abraçaremos as lavras, sacudiremos dos livros a poeira. / Nenhum vestígio dos altares erguidos a deuses absurdos. / Recomeçamos – artesãos da nossa redenção”. Um poema atualíssimo, que me inspira.
E o nosso poeta amazonense da resistência nos tempos da ditadura militar, Thiago de Mello, no livro “Faz Escuro, Mas Eu Canto”, foi mais um, entre tantos outros, a abrir caminhos. No poema “Os Estatutos do Homem” (Ato Institucional Permanente), Artigo III, ele diz: “Fica decretado que, a partir deste instante, / haverá girassóis em todas as janelas, / que os girassóis terão direito / a abrir-se dentro da sombra; / e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, / abertas, para o verde onde cresce a esperança.”
Da música para a poesia, a arte sempre me abraçou e apontou caminhos. E o recado que fica é: não podemos perder a esperança e a dignidade, o direito ao trabalho, à educação, à saúde, à segurança e à justiça, amparados por políticas públicas transparentes. Desistir jamais!
*Compositores: Carlos Eduardo Carneiro de Albuquerque Falcão e Oswaldo Lenine Macedo Pimentel.
Foto da Capa: Freepik
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