Por que a visão negativa da humanidade é tão difundida? A ideia de que os seres humanos são maus e violentos pode ser resultado da influência de pensadores, religiosos e da mídia, que muitas vezes destacam os crimes hediondos e as barbaridades cometidas pelo homem, ao mesmo tempo em que ignoram as boas ações. No livro Humanidades – uma visão otimista do homem, o historiador Rutger Bregman sugere que a maioria das pessoas é decente e que as exceções são apresentadas como a norma. Ele argumenta que o comportamento humano é influenciado por fatores como a criação e as experiências de vida, e que a biologia representa apenas uma parte disso.
Existem evidências do comportamento pacífico e solidário das multidões em situações de crise. No caso do ataque às Torres Gêmeas, as pessoas desceram as escadarias calmamente e cederam lugar para os bombeiros passarem. No furacão Katrina em New Orleans, a polícia informou que houve casos de estupro, assassinatos e saques. Meses depois, a própria polícia reconheceu que não houve nenhum caso de estupro e assassinato. Houve sim saques, mas foram meninos que saquearam casas desabitadas em busca de alimentos para distribuir aos que estavam com fome. Alguns acreditam que esta visão negativa da humanidade pode ser resultado da teoria da “Psicologia das Multidões” de Gustave Le Bon, que argumenta que as multidões perdem a sua civilidade quando se sentem ameaçadas. Rutger cita o exemplo dos bombardeios a Londres e Dresden, que tanto Churchill quanto Hitler acreditavam nessa teoria, mas ocorreu ao contrário, londrinos se tornaram mais solidários e, na Alemanha, cresceu a resistência da população de Dresden. Ao contrário do que se pensa, as catástrofes fazem aflorar o melhor das pessoas, mas isso não é notícia vendável.
Possivelmente, você está se questionando acerca do nazismo, dos ataques a escolas e de outros crimes cruéis. Quanto ao nazismo, cabe salientar que houve uma propaganda habilmente elaborada, explorando a insatisfação das pessoas, o senso de pertencimento a um grupo e a sua honra ferida na primeira guerra. As pessoas não eram más, elas seguiram uma ideologia maléfica e caíram na armadilha de Hitler. Em relação aos psicopatas que cometem crimes brutais, segundo a neurociência, o sistema límbico cortical do cérebro de um psicopata fica desativado e dificulta a comunicação entre outras partes do cérebro que se relacionam com a natureza afetiva. Contudo, a parte biológica e genética representa apenas 30%, enquanto a criação e as experiências que tiveram na vida compõem os outros 70%.
O livro Senhor das Moscas, de autoria do Prêmio Nobel de Literatura William Golding, é um romance que narra a história de um grupo de meninos sobreviventes da queda de um avião que chegam a uma ilha e se matam em disputas. Esse romance desiludiu muitas pessoas acerca da natureza humana. Rutger desbanca essa história ao mostrar um fato que ocorreu na Ilha de Ata, no Pacífico, onde seis meninos sobreviveram civilizadamente por mais de um ano. Eles estavam todos bem e haviam se organizado democraticamente para realizar as atividades que permitiram a sua sobrevivência. Curiosamente, William Golding era uma pessoa solitária e infeliz, alcoólatra que batia nos filhos. Seria o romance uma projeção de suas frustrações?
Já o Professor Paul Bloom faz uma crítica ao conceito de empatia e afirma que ela não é um sol benevolente, mas um refletor. Quanto mais nos identificamos com as vítimas, mais generalizações fazemos em relação aos malfeitores. Rutger propõe substituir a empatia pela compaixão. Não se trata de compartilhar o sofrimento alheio, mas de reconhecer esse sofrimento e agir.
Hoje, quando perguntamos às pessoas de qualquer país a sua opinião sobre o momento em que vivemos, a maioria responde que o mundo está piorando. No entanto, as evidências mostram o contrário: nas últimas décadas, a fome no mundo diminuiu, bem como as vítimas de guerra, a mortalidade infantil, as mortes por desastres naturais, além de ter aumentado a expectativa de vida. Estamos vivendo na época mais rica, saudável e segura da história. Apesar de ter diminuído o número de quedas de aviões, o medo das pessoas em entrar em um avião aumentou. Rutger destaca: Por que não percebemos isso? Porque as notícias são sobre o excepcional!
Talvez todos esses exemplos não tenham convencido você, mas saiba que existe o chamado “efeito Nocebo”, ou seja, a negativa do efeito placebo. Se acreditarmos que a maioria das pessoas não é confiável, desconfiaremos de todos e será pior para todos. A maneira como vemos o mundo molda o mundo. Não somos anjos, mas acredito que seja como diz Alfred de Musset: “O mal existe, mas nunca sem o bem, tal como a sombra existe, mas jamais sem a luz”. Por fim, o homem não é o lobo do homem como pensava Thomas Hobbes. Eu prefiro acreditar na fábula dos dois lobos: “existe dentro de nós dois lobos que lutam, o do bem e o do mal. Vencerá aquele que você alimentar”.
“O ódio corrói quem sente, e nunca fere o inimigo. É como tomar veneno, desejando que o inimigo morra” (Fábula dos Dois Lobos – Índios Cherokee).
Referências:
– Livro Humanidade: Uma história otimista do homem
– TEDx – Poverty isn’t a lack of character; it’s a lack of cash. Rutger Bregman
– Resenha do livro “Humanidades – uma visão otimista do homem” – O crítico pensador Iury Francisco