Esse texto poderia ser uma antecipação sobre o dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, quando a representatividade nos espaços passa a ser convocada, como se somente em um único dia ou em um único mês de um ano de doze meses, ajustam-se os ponteiros do relógio da realidade, da resis(exis)tência de mais de cinquenta por cento da população.
Mas não. E sim, esse texto fala sobre representatividade em um dos principais espaços de poder deste país que ainda chamamos de Brasil.
A lentos passos, alternativas e medidas são postas para sanar as profundas consequências da escravidão e das disparidades raciais, fruto de um projeto de desmemorização proposital e que, nas figuras públicas negras, há e sempre houve a esperança de um futuro mais inclusivo. E quando falamos de figuras públicas negras, no dia 07 de outubro celebramos a vida de Joaquim Benedito Barbosa Gomes que, em 2012, como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), representou um marco histórico e um avanço significativo quanto ao poder e à sua cor.
O Judiciário brasileiro tem cor. Vamos aos dados. De acordo com o mais recente Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 83,8% dos magistrados são brancos, enquanto apenas 1,7% se identificam como pretos.
Sim, 2024 e esses números expõem uma disparidade que precisa ser urgentemente enfrentada por meio de políticas públicas que garantam a inclusão efetiva da população negra nos cargos de liderança e decisão. O que não diverge da nossa sociedade empresarial e dos seus espaços de poder e de comando.
A ascensão de Joaquim Barbosa ao cargo mais elevado do Judiciário, sendo o primeiro homem negro a assumir tal posição, foi um símbolo poderoso de representatividade em um país marcado pelo racismo estrutural, provocando reflexões mais profundas sobre como o racismo institucional e a branquitude afetam a Justiça no Brasil.
Como sempre, recorro a mulheres para fazer uma citação. Criadora do conceito de branquidade, a doutora em Psicologia pela USP, escritora, pesquisadora e uma das cinquenta pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade, de acordo com a revista britânica The Economist, Maria Aparecida Silva Bento destaca este projeto intrínseco nas instituições públicas, historicamente estruturadas para manter privilégios raciais, perpetuando exclusões: “A padronização de um dado comportamento, a irrestrita observância de normas, a obediência (ou crença) aos dogmas e lideranças que destroem nos indivíduos inclusos nestes grupos a capacidade de discernimento entre ações coletivas e ações individuais. Assim, mergulhados no padrão (uniformes e hábitos), perdem sua identidade subjetiva, mergulhando outros no discurso da intolerância”.
Com a presença de Barbosa no Supremo Tribunal Federal, as discussões sobre a necessidade de um Judiciário atento às pessoas negras saíram de baixo dos tapetes de cada foro e tribunal do país e vieram à tona.
A representatividade importa porque, quando indivíduos pertencentes a grupos historicamente marginalizados ocupam posições de destaque, eles alteram as narrativas sociais, promovem um sentimento de pertencimento e inspiram futuras gerações. E a representatividade nos órgãos decisórios vai além de uma questão numérica: ela assegura a diversidade de vozes e perspectivas, algo essencial para que a justiça seja verdadeiramente imparcial e inclusiva, mas principalmente que pondera análises e julgamentos de uma perspectiva de raça, tão necessária.
O impacto de Joaquim Barbosa no Judiciário continua a reverberar mesmo após sua aposentadoria. Sua trajetória abriu portas para discussões mais amplas sobre o racismo e a inclusão de negros no poder.
Atualmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem implementado iniciativas para promover a equidade racial, reconhecendo a existência da desigualdade, por meio de levantamento, em dados, da cor de quem atua, magistradas, magistrados, servidoras, servidores, profissionais vinculados ao Judiciário, bem como o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial. Esse pacto busca promover medidas afirmativas e compensatórias para corrigir as desigualdades raciais no Judiciário, além de desenvolver um Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, que orienta magistrados a considerarem o racismo estrutural em suas decisões. Ações afirmativas como essas são parte de um movimento de mudança impulsionado pela visibilidade de figuras como Joaquim Barbosa.
E, neste aspecto, parafraseando o aniversariante, quando trata sobre as ações afirmativas: “Em vez de igualdade de oportunidades, importava falar em igualdade de condições”. Imperiosa, portanto, seria a adoção de uma concepção substancial da igualdade, que levasse em conta em sua operacionalização não apenas certas condições fáticas e econômicas, mas também certos comportamentos inevitáveis da convivência humana, como a discriminação.”
A diversidade na magistratura é crucial para aumentar a confiança pública no sistema de Justiça e garantir que as decisões jurídicas sejam mais sensíveis às questões raciais e, por consequência lógica, permite que grupos historicamente marginalizados se vejam representados nas decisões que afetam diretamente suas vidas.
Fontes:
Bento, M. A. S. Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público / Maria Aparecida Silva Bento. – São Paulo: s.n., 2002.
GOMES, Joaquim Benedito Barbosa; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. As ações afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva. Cadernos do CEJ, v. 24, p. 86-123, 2001.
Recadastramento de dados étnico-raciais no Poder Judiciário – Disponível aqui.
Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial – Disponível aqui.
Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial – Disponível aqui.
Chris Baladão, bicho raro, formada e por coração advogada, na época em que o curso levava sociais em seu nome, escritora por necessidade de expor a palavra, bailarina porque o corpo exige, professora porque a experiência da vida precisa ser compartilhada.
Foto da Capa: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil
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