Realizou-se o sonho do teletransporte, nossa imagem viaja pelo planeta por WhatsApp, Skype, Teams.
Estamos o tempo todo em todos os lugares, encontramos nossos colegas de colégio no Facebook, temos fóruns nas redes sociais, somos lembrados dos aniversários.
Nossa imagem fluída conta nossa existência no Instagram, celebrando sucessos e felicidades. O pezinho do bebê postado é comemorado por conhecidos e estranhos, brindado com comentários carinhosos e acolhedores.
Foi-se o monopólio da mídia tradicional, nosso trabalho pode ser visto por todos e só depende da câmera de um celular.
O Twitter tornou famosas suas ideias guardadas por tanto tempo nos cantos da mente, que assim como são defendidas por milhares de amigos que você nunca viu, também são destratadas nas mesmas condições. É a rede social do pertencimento: independente do quão esquisito você seja, porque ali até os esquisitos têm a sua tribo, língua e modo de ser.
O amor que vinha das reuniões dançantes, nos chega por aplicativos, com fotos, descrições, filtros: “- quero mulheres jovens, em forma, que não fumem e não tenham filhos”. “- Homens altos, não-divorciados, com situação econômica definida” …
Até escritores medíocres como eu tem espaço em plataformas para desenvolver seus textos, sem precisar da mediação de editoras, revisores, livrarias, etc..
Sentado no sofá você encontra seu crush, revê seus amigos, expõe suas ideias, compartilha suas angústias e realizações (e ainda é lembrado dos aniversários!).
Mas algo deu errado, as pessoas não atingiram a felicidade esperada, angústias se multiplicam, decepções se somam enquanto a solidão povoa essa sociedade hiperconectada.
Nunca se esteve tão sozinho aos milhares; nunca tantas possibilidades trouxeram tantas carências. Na prateleira dos amores de aplicativo, liquidam-se solidões e frustrações.
O Instagram tortura as pessoas com belezas transbordantes, família perfeitas, casais fantásticos, sempre retratados em lugares maravilhosos, restaurantes bacanas e viagens dos sonhos; leva a vida “normal” para um patamar olímpico, inatingível e inviável. Do outro lado, pessoas gastam suas existências com roupas, cabelos, unhas e cenários para tirar aquela foto maravilhosa enquanto perdem o lugar maravilhoso que estão, deixam de aproveitar a praia, beber, curtir os amigos. Nunca foi tão urgente conquistar a admiração de estranhos e conhecidos, estar na passarela etérea das redes sociais.
Mostrar felicidade independente de ser feliz, pois o prazer orgástico da aceitação das redes sociais é uma droga de efeito intenso e imediato, mas de curtíssima duração, fazendo com que o adicto queira mais e em maiores quantidades. Daí lá se vai o Sísifo sofrendo rolar a pedra pro cume seguinte: atinge o topo, faz a self, posta #MeSentindoAbençoado e a pedra rola morro abaixo; e de novo lá vai ele sofrendo rolar a pedra até o cume seguinte, self, #NuncaFoiSorteSempreFoiDeus, e a pedra rola morro abaixo…
Você sabe o preço da diária do hotel da Anitta na Puglia, mas desconhece que sua mãe tem dormido chorando; sua foto com filtro do Instagram é mais familiar do que seu rosto no espelho; não importa comer comida fria quando o objetivo é enquadrar esplendorosamente o prato para ser postado, que afinal acabará sendo o verdadeiro alimento da sua alma social.
O exagero de fotos, vídeos e posts transformou sua alma num @, sequestrou suas paixões, compartimentou sua existência. Você não tem mais casamento, só fotos de beijos apaixonados no Instagram; nem família, apenas imagens natalinas brindando com seu champagne caro.
No fundo, a saudade das filas do colégio, das chamadas, das classes arrastando, do giz arranhando o quadro negro; da tagarelice e risadas leves dos recreios, dos versos pra pular corda, da contagem regressiva do esconde-esconde; da campainha no final do período, do barulho dos passos apressados indo pra casa, das conversas rápidas nos corredores.
Querer ouvir a mãe gritando para acabar a briga pelas pontas do pão de quarto, as palmas no portão pra te chamar pra brincar na rua, as conversas na fila da merenda, resquícios de uma vida sem filtro, glamour, simplesmente vida.
Se foi o frio na barriga das passeatas, de ser preso, apanhar… Também desapareceu a adrenalina de panfletar, convencer transeuntes, expor suas ideias numa rua, num corredor de fábrica, colégio. Hoje sua exuberância política se desenrola no Twitter, essa estufa climatizada de ideias, segura, higienizada, controlada, onde você nem percebe que as bandeiras de lutas amiúde são carregadas por robôs e assessores parlamentares, os quais muitas vezes resumem a sua plateia cativa.
Então de repente você se dá conta que daria o mundo para se desconectar de tudo para se conectar de novo!
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