A fala não tem poder, ou tem? O poder está no significado, ou não está? O significado é modelado em forma e conteúdo em conjunto com a fala. Ao fim e ao cabo são indissociáveis, mas vou me ater ao bloco do significado, em especial, da imaginação. O significado é ser forjado a ferro e fogo no espaço imaginativo dos seres humanos. Ele também é disseminado à velocidade da fome por qualquer tipo de (des)informação.
Atualmente não é conhecimento que está sendo compartilhado pela mídia, com raras exceções. Alguém já pode disparar: “Entendi, você é que está fomentando conhecimento, a grande maioria do planeta não”. Só argumento que o que está sendo compartilhado atualmente é uma cortina de fumaça. E essa cortina tem o tamanho do planeta. Bem que poderia falar um pouco sobre as emergências climáticas, urgências econômicas de toda ordem, necessidades básicas de sobrevivência de pessoas em situação vulnerável em cada ponto desse planeta. Mas a cortina de fumaça é semântica. E mais, afeta a cada um de modo diferente, mas o efeito social coletivo é bem homogenizante. A polarização partidária vivida atualmente do Brasil é só um exemplo desse fenômeno semântico.
As pessoas são atualmente suprimidas do espaço crítico. São levadas a não discussão crítica. E esse movimento é tão bem elaborado que as pessoas, via de regra, acreditam que estão discutindo um tema, mas, no fundo, estão apenas defendendo posições identitárias-ideológicas, e no cerne defendem seu modo egoísta de estar em um mundo de privilégios blindados e indiscutíveis. Todos somos animais políticos, mas “em casa não se discute política”.
A mídia e seus aparelhos de divulgação — divulgação e não comunicação — não são inertes. Divulgação porque é unilateral. A propaganda é unilateral. A comunicação é dialógica, é troca. Além de unilateral é ideológica (e não no sentido de ser uma mídia alienada, mas muito bem consciente da sua função social no mundo). Não há neutralidade nas infraestruturas projetadas pelo poder econômico. É uma ilusão acreditar que um canal de televisão ou outro tipo de mídia é neutro. Nenhum meio de divulgação de informação é neutro.
A fala é a forma e o significado é o conteúdo ou vice-versa? Nos últimos dias, ao passear por diferentes tipos de canais de notícias, (inter)nacionais, se percebe diferentes tipos de falas. No Brasil, a depender do canal de televisão, se ouve falar sobre projetos de leis sobre fakenews (desinformação) — e a falsa discussão sobre liberdade de expressão e a liberdade irrestrita do poder econômico cristalizado nas bigtechs, que também se posicionam como vítimas de um suposto mostro de controle planetário (aliás, eles mesmos). Já em outro, sobre como o ex-presidente é um pobre coitado, alienado de tudo o que ocorre ao seu redor e vítima de comunistas que desejam conquistar o mundo. Chega a dar preguiça de escutar. Em um canal alemão, se discute formas de agroecologias; no canal francês a retomada da energia nuclear, no canal chinês a aceleração para um mundo energético movido por fontes renováveis e no canal árabe a disputa entre um país Israel autocrático antissemita e outro democrático com jovens na rua. São tantas falas. Ao mesmo tempo, nas mídias sociais digitais (como o recente exemplo do Telegram em uma divulgação unilateral sobre o PL das Fakenews) os filtros, pedágios e muros tecnológicos invisíveis aos olhos humanos modulam e controlam todo tipo de dado e informação antes de chegar ao ser humano (acrítico) do outro lado. Quando a notícia é sobre economia, a fala é cifrada, recheado de códigos fechados, hermética e cheio de personagens dignos dos Contos de Nárnia: “a Bolsa subiu, o Dólar caiu, o Mercado reagiu bem, a Selic se recusa a descer, a Taxa de Juros…” — o sistema rentista bancário é blindado, pois não se discute os mecanismos sociais e ideológicos que reproduzem desigualdades, geram guerras domésticas como a invasão em terras yanomami (apenas um dos milhares de exemplos atualmente no Brasil). Uma mídia que despeja uma montanha de lixo em sua sala de estar. Divulgação. Propaganda. Não há comunicação, discussão nem diálogo.
Compreender como as oligarquias em posição de poder estão associadas às várias formas de guerra doméstica no Brasil não é simples, mas é um exercício que deve ser fomentado. Os espaços para discussões críticas multilaterais morreram. A crítica morreu. Entendo que a crítica não é um processo de como destruir o outro, mas de trocar argumentos que possibilitem construir pontes e novas formas de convivência entre os diferentes. O que observamos é a construção de espaços de individualização forjado pela mídia em todas as suas formas. Da televisão ao telefone inteligente (smartphone). Inteligente ou esperto? Quem são os espertos? Não somos nós, simples mortais.
O poder da imaginação move a massa. É uma guerra cultural. Não é uma guerra qualquer. É uma guerra ideológica. E os grupos em posição de poder (como a BlackRock e as Bigthechs — ver meu post aqui sabem o que fazer. A guerra é pela modelagem de significados. A guerra é semântica.
Mas não desamine, há contraguerrilhas e as batalhas são diárias. Por mais críticas (emancipadoras e construtoras) e menos opiniões (destrutivas e violentas).
Leituras críticas para enfrentar essa guerra:
- Chomsky, Noam. Mídia: propaganda política e manipulação. WWF Martins Fontes, 2015.
- Han, Byung-Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. São Paulo: Vozes, 2022.