Brindei à chegada de 2024 com os rituais das nossas tribos. Pedi leveza, justiça e dignidade para o cotidiano de todos nós. Mas o ano não foi nada ameno! A diversidade da nossa gente não foi assimilada e, mais uma vez, a emergência climática gritou. Chuva em excesso. Rios transbordando. Tempestades. Ventanias. Fogo. Seca. Desmatamento. Tragédias incontestáveis seguiram avassaladoras, causaram mortes e deixaram muitas famílias fragilizadas física e emocionalmente. Os sinais foram dados! Mas o ano terminou e pouco foi entendido. Em relação ao meio ambiente, sobraram justificativas egoístas e absurdas porque a ganância, a necessidade de acumular, erguer arranha-céus e o descaso, infelizmente, seguem em primeiro lugar.
– Precisamos estar atentos para estabelecer as conexões possíveis em defesa da integridade da vida. Todas as vidas! –
Não abro mão do que considero essencial para uma vida digna – a certeza de que é possível viver muito bem sem destruir o meio ambiente, a luta contra o racismo e contra qualquer tipo de discriminação, o acolhimento. Quero sustentabilidade, que rima com acessibilidade, inclusão social, saúde, educação de qualidade, respeito pela natureza e pelas diferenças. Em nome da minha rebeldia, vou seguir em busca da lucidez, do pensamento crítico, da formação de indivíduos livres, responsáveis e éticos e da palavra que nos coloque em sintonia. Olho no olho, debate a céu aberto, solidariedade e harmonia.
Não abro mão do acesso aos livros e da leitura que “nos dá uma espécie de reencantamento”, como diz Mia Couto. Ao saber que 53% da população brasileira não leu um trecho de livro em 2024, fiquei chocada. Francisco Bosco, doutor em Teoria da Literatura, letrista e um dos apresentadores do programa Papo de Segunda do GNT, afirmou que “o livro é um grande meio para ter uma relação efetiva com a linguagem”.
Não abro mão da arte que encanta, alivia, faz chorar, registra a nossa história, abre e aponta caminhos. Ainda estamos aqui, como mostrou Walter Salles em um filme essencial, de rara beleza e sensibilidade, que ganhou o mundo ao colocar em cena a barbárie dos porões da ditadura militar brasileira, sonegada por anos. Não abro mão da verdade e da cultura que nos dá identidade.
“A arte existe para que a realidade não nos destrua” – Friedrich Nietzsche, filósofo alemão.
“A gente faz arte porque viver não é o bastante” – Rodrigo Lombardi, ator.
“A arte me tira da dor, me exorciza” – Evaldo Macarrão, comediante baiano.
É assim que vou pisar com firmeza em 2025, até porque os velhos problemas ainda estão aí e preocupam muito. A miséria escancarada nas ruas, com crianças pedindo o básico, vendendo doces ou panos de prato. Crianças rejeitadas em escolas pela condição física ou mental. Famílias inteiras com fome e sem esperança. Desvio de verbas na educação. Material escolar abandonado em repartições públicas. Lixo e fios soltos ocupam calçadas. A falta de energia elétrica está quase virando rotina. E por aí vai!
Não dá para deixar passar impunemente um ano que foi de tragédias e descaso. Até porque, enquanto as bolhas reinam sem fazer nada, a questão social inquieta. E a classe política, seduzida pelo Centrão, trata mesmo é de aumentar benefícios e mordomias, confirmando, mais uma vez, que só tem olhos para o povo em tempo de eleições. Não tenho paciência para a hipocrisia dos discursos protocolares, cheios de promessas e encenações, de quem só está no poder para garantir regalias, sem olhar para a dureza da vida de grande parcela da população que trabalha para garantir o pão de cada dia.
Então volto ao que escrevi nos primeiros dias de janeiro de 2024 porque sei que “é impossível levar um barco sem temporais”, como diz a canção “Movimento dos Barcos” de Jards Macalé. Resta-nos juntar forças para manter o barco firme nas correntezas e seguir remando em busca de horizontes menos turvos. Retomo o canto de Macalé porque de nada vai adiantar “ficar no porto chorando, não”. Precisamos estar fortes e atentos para estabelecer as conexões possíveis em defesa da integridade da vida. Todas as vidas!
O combustível saudável das amizades, dos afetos, das boas conversas, das leituras, da cultura e da arte, das risadas gostosas, da solidariedade e da esperança me impulsiona. E quero brindar essa mistura, que chamo de dignidade, em 2025, um direito de cada um, em qualquer lugar.
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Foto da Capa: Gerada por IA