O Direito Digital se desenvolve como uma consequência da interação de todos os ramos do Direito com a sociedade digital ou com o meio ambiente digital. Ele atinge os princípios, institutos, conceitos do Direito, e os inova nos seus campos de atuação. Assim, ele acaba causando evoluções no Direito Internacional, no Direito da Propriedade Intelectual, no Direito Constitucional, nos Direitos Humanos, na Bioética, nas pesquisas científicas e genéticas, no Direito Civil, Penal, Administrativo, Tributário, Financeiro, Ambiental, Processual, Previdenciário, Trabalhista, Eleitoral, no Direito Médico, etc.
A Sociedade Digital é constituída por pessoas físicas ou jurídicas que são usuárias da internet, que se beneficiam das tecnologias de informação, de transmissão de dados, e também por pessoas que não têm acesso à internet ou a tais tecnologias, pois, mesmo sem o seu consentimento, seus dados são coletados e transmitidos pela rede.
O meio ambiente digital é uma consequência da criação humana, é um patrimônio imaterial, virtual, ele decorre de um conjunto de condições, leis, influências e interações que acontecem no ambiente digital, através de software e hardware conectados, e que acabam por gerar efeitos nas pessoas, nas relações sociais, na política, na economia, no meio ambiente físico, e até mesmo no extraterrestre uma vez que dados são coletados e transmitidos por artefatos espaciais que já ultrapassaram as fronteiras do nosso sistema solar.
Suas fronteiras ultrapassam o mundo da internet, pois existem outros recursos tecnológicos, e novas invenções surgem todos os dias, as quais acabam sendo disciplinadas pelo Direito Digital. Sua evolução é rápida e dinâmica, algo que anda junto com as inovações tecnológicas e com a evolução da Sociedade Digital.
O Direito Digital é um Direito Internacional, pois em razão da globalização das sociedades e das tecnologias, há um compartilhamento de tecnologias tanto pelos países quanto pelas pessoas e empresas. Coletas e trocas de dados e informações que ocorrem constantemente, e seus efeitos repercutem em todo o planeta, causando e forçando uma globalização do pensamento jurídico, para que seja possível delimitar critérios mínimos a serem observados por diversos países e pessoas, que muitas vezes têm crenças e anseios bem distintos. Em razão disso, cada vez mais estão a surgir Convenções e Tratados Internacionais a respeito. Como ocorre nos demais ramos do direito internacional, são inúmeras as discussões sobre a liberdade de acesso à informação tecnológica, sobre os limites territoriais e físicos, que obviamente impactam os negócios jurídicos, e inclusive o Direito Penal.
Não é tarefa fácil obter um consenso, entre nações e pessoas, com culturas e costumes tão diversos, com visões distantes sobre o que é a “dignidade da pessoa humana”, sobre até onde vai a soberania de cada país.
Em razão da constante evolução do meio ambiente digital, da sociedade digital, e do mundo físico e virtual, recomenda-se que sejam criados princípios de relacionamento, contendo requisitos básicos e gerais, pois normas específicas perderiam rapidamente sua eficácia no espaço e no tempo. Quanto mais genérica for a norma, mais flexível, suscetível a interpretações e duradoura ela será.
O Direito Digital, pela sua constante evolução e natureza global, vem preponderantemente se socorrendo da autorregulamentação, que obviamente deve observar os diversos ordenamentos jurídicos. Desse modo, apesar da existência de diversos Tratados, Convenções e legislação e instruções normativas, envolvendo o Direito Digital, os disclaimers publicados pelos provedores continuam sendo as normas que mais frequentemente se aplicam aos participantes das relações digitais.
Dessa maneira, como no Direito Digital há uma autorregulamentação extensa, é muito importante que ocorra conhecimento público dessas regras. Os provedores devem fazer a publicação clara, com destaque dos seus Disclaimers, políticas de privacidade, todas as regras e procedimentos que devem ser observados pelos seus usuários. O Direito Digital se socorre muito das regras contratuais que, saliente-se, muitas vezes são as únicas regras estabelecidas entre os provedores e usuários.
Da mesma forma que outros ramos do Direito, o Direito Digital com frequência utiliza o Direito Codificado e o Direito Costumeiro juntos, buscando no Direito Costumeiro as soluções para as lacunas jurídicas existentes.
Arbitragens e a aplicação de uma norma jurídica concebida para outra situação semelhante, ocorrem com frequência no Direito Digital. As arbitragens são geralmente a alternativa mais rápida para solucionar conflitos. Esperar que tais conflitos sejam sanados pelo legislativo e pelo judiciário, o que pode demorar anos, não é uma boa opção. Como as tecnologias mudam e se tornam obsoletas de forma rápida, muitas discussões judiciais poderiam se tornar inócuas com o tempo, resolvendo no máximo problemas referentes a responsabilidade civil. O Direito Costumeiro é utilizado com frequência, e recomenda-se que quando houver uma decisão sobre um determinado tema, os outros sites ou provedores implantem as recomendações das respectivas decisões. Infelizmente, geralmente quando ocorrem arbitragens, é comum que as empresas ajustem uma cláusula de confidencialidade, o que as impedem de divulgar as decisões.
No Brasil, vem se aplicando a inversão do ônus da prova em questões que envolvam consumidores e o Direito Digital, inclusive as referentes a dados pessoais. A Lei Geral de Proteção de Dados veio reforçar a aplicação da inversão do ônus da prova também.
Atualmente vem sem falando muito sobre a herança digital, que é o patrimônio ou ativo digital deixado por alguém, quando morre. Esse patrimônio digital pode ser constituído por contas de e-mail, perfis em redes sociais, fotos digitais, arquivos nos seus computadores ou na nuvem, sites, ou outros conteúdos armazenados digitalmente.
Há quem classifique o patrimônio digital em bens existenciais, existenciais e patrimoniais-existenciais. Os bens digitais de natureza existenciais são aqueles que compõem a identidade pessoal do usuário, sua privacidade e intimidade. São sensíveis e personalíssimos, e protegidos pela própria Constituição Federal. Os bens digitais patrimoniais se caracterizam pela sua natureza econômica e valor econômico. Por exemplo, moedas virtuais, aplicativos, milhas aéreas, videotecas e discotecas virtuais, token não fungível (NFTs). Os bens digitais patrimoniais-existenciais, como indica o próprio nome é um misto das duas categorias Isso pode ocorrer porque um determinado conteúdo inserido em ambiente virtual pode interessar a terceiros, e, portanto, ter valor econômico. Por exemplo, perfis de redes sociais, com muita audiência, cujo conteúdo pode gerar recursos financeiros. Isso ocorre muito em plataformas, blogs, Twiter, Instagram, e Youtube.
Existem dois entendimentos sobre a herança digital. Para uma corrente, no caso de falecimento, todos os conteúdos digitais devem ser transmitidos para os herdeiros , exceto se houver manifestação contrária por parte do usuário. Uma outra corrente, defende que nem todos os conteúdos podem ser transmitidos, que os conteúdos que implicam violação aos direitos da personalidade, são bens digitais existenciais ou patrimoniais-existenciais, e que portanto estariam excluídos da herança, não seriam inventariados, pois o direito a proteção dos direitos da personalidade continua mesmo após a morte do titular.
Com todo o respeito aos brilhantes doutrinadores da segunda corrente, penso de acordo com a primeira corrente, que cabe aos herdeiros receber a herança digital.
Com referência a herança digital, o Conselho da Justiça Federal, aprovou o enunciado 687 que determina: “O patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição testamentária ou por codicilo”.
Cabe informar que um enunciado, embora não seja vinculante, é um bom norteador para as decisões judiciais, especialmente quando não há uma legislação específica. Particularmente, considero esse enunciado perfeito para o atual momento.
No Brasil já existem alguns projetos de lei que tratam sobre esse assunto em tramitação no Congresso Nacional. Todavia, enquanto tais projetos não forem transformados em lei, ainda existe essa lacuna, e na falta de manifestação do titular como, por exemplo, um testamento, caberá ao judiciário decidir sobre os conflitos referentes ao acesso dos conteúdos digitais de titulares falecidos.
Essa é uma questão que o Direto Digital e os demais ramos do direito correlato, devem chegar a um consenso.