Nos últimos anos, tivemos casos emblemáticos de cachorros que foram perdidos ou mortos enquanto estavam sendo transportados por companhias aéreas para outras cidades. Alguns casos tiveram repercussão nacional, como foi o caso do cachorro Joca, um Golden Retriever que, por engano da Gol, foi transportado para Fortaleza em vez de Sinop (MT). Ele morreu devido a um choque cardiogênico.
A Polícia Civil concluiu que o animal morreu dentro do avião, provavelmente devido ao estresse e desidratação durante a viagem. Quando descoberto o erro, o cachorro foi transportado para Guarulhos, onde foi entregue morto para seu tutor. O laudo da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP aponta o choque cardiogênico como provável “causa mortis” de Joca. O inquérito que investigava a morte do cachorro Joca foi arquivado, a Polícia Civil não indiciou ninguém e o Ministério Público de São Paulo então requereu o arquivamento (Jornal Nacional).
Um outro caso que deu muita repercussão envolveu o pequeno cão Zyon, que morreu em razão do calor a que foi exposto no aeroporto do Rio de Janeiro, e que no Galeão foi entregue à sua tutora já morrendo.
Como não lembrar da Pandora que fugiu da caixa de transporte e ficou desaparecida após uma conexão no aeroporto de Guarulhos, e que gerou muita comoção pública? Seu dono fez uma campanha imensa para encontrar a Pandora, com grande repercussão nas redes sociais e na imprensa. Como o dono da Pandora morava em Recife, em um momento histórico para o direito no que concerne à defesa dos animais, ele conseguiu uma liminar judicial para que a Gol pagasse seus custos na cidade de Guarulhos, bem como auxiliasse nas buscas da Pandora. Imagine o amor, o sofrimento e a angústia desse homem que teve de parar a sua vida por 45 (quarenta e cinco dias) para recuperar sua cachorrinha que nem estava tão longe, pois ela foi encontrada no Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos.
Também ficaram conhecidos os casos envolvendo a morte do cão Weiser, um American Bully que faleceu após roer uma caixa de madeira durante o voo, e que gerou uma condenação de R$ 12.000,00 para a empresa aérea. E do cão Tom, um Staffordshire Bull Terrier que, como o Joca e o Zyon, morreu de calor, só que em voo, e gerou uma condenação para a companhia aérea de R$ 5.225,00. Como se vê, o sofrimento de um animal e dos seus donos e familiares não paga sequer uma passagem internacional vendida por uma companhia aérea.
Fiz essa introdução para destacar a importância, para um dono, tutor, pai ou mãe de um animalzinho, de que ele esteja bem em todos os aspectos durante o voo. Escrevi pai ou mãe, porque hoje já existe, doutrinariamente, inclusive o conceito de família multiespécie, que é aquela que decorre do vínculo afetivo entre humanos e animais de estimação. Eu, por exemplo, embora não tenha encontrado nos livros a definição de pai multiespécie, me considero um feliz pai multiespécie monoparental que tem, como filha multiespécie, uma adorável cachorrinha. Como por situações pessoais já vivemos em diversos estados desse Brasil continental, e eu não deixo a minha cachorrinha para trás, a hora do embarque é uma angústia para mim, pois os cachorros não podem ultrapassar uma certa altura e a determinados quilos, e ela, embora pequena, é bem gulosa e roliça. Obviamente, não só pelos riscos de morte dos cachorros, é muito importante para os animais estarem perto dos seus donos, pois voar é muito desagradável para eles. Minha cachorrinha chora baixinho em todas as viagens, principalmente na hora da decolagem e aterrissagem, parece que os seus ouvidos doem, provavelmente pela diferença de pressão. Estando comigo, pelo menos ela fica permanentemente recebendo carinho pelo toque das minhas mãos.
Assim, muitos donos de cachorros maiores do que o permitido pelas companhias aéreas para viajarem na cabine juntos com seus donos, alegavam que tais cães seriam de suporte emocional e que teriam os mesmos direitos de lhes acompanhar na viagem que têm os cães-guia.
Infelizmente, ainda que tecnicamente esteja certo, no dia 14 de maio, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que um animal de suporte emocional não se equipara a cão-guia para acompanhar passageiro no avião e que, portanto, não pode ser equiparado aos cães-guia para fins de obrigatória autorização de permanência com o passageiro nas cabines de voos nacionais e internacionais. Dessa forma, segundo a Quarta Turma, não cabe aplicar para o benefício dos cães de suporte emocional a Lei do Cão-Guia (Lei nº 11.126/2005) que assegura à pessoa com deficiência visual acompanhada de cão-guia o direito de ingressar e de permanecer com o animal em todos os meios de transporte e em estabelecimentos abertos ao público, de uso público e privados de uso coletivo. A Quarta Turma salientou que os cães-guia – utilizados no apoio a pessoas com deficiência visual – passam por rigoroso treinamento, conseguem controlar as necessidades fisiológicas e têm identificação própria.
Segundo publicado no site do STJ, de acordo com a ministra Isabel Galotti:
“Na ausência de legislação específica, as companhias aéreas têm liberdade para fixar os critérios para o transporte de animais domésticos em voos nacionais e internacionais, e não são obrigadas a aceitar o embarque, nas cabines das aeronaves, de bichos que não sejam cães-guias e que não atendam aos limites de peso e altura e à necessidade de estarem acondicionados em maletas próprias.”
O caso a que se refere esse julgamento decorreu de recurso apresentado por uma companhia aérea em razão de um acórdão que autorizou, de forma vitalícia, o embarque em voos nacionais e internacionais de dois cachorros, cujos tutores alegavam desempenhar um papel de “terapeutas emocionais”, proporcionando-lhes conforto e auxílio no tratamento de doenças psicológicas e psiquiátricas.
Conforme salientado no site do STJ, “para o tribunal estadual, embora a política de transporte de animais de estimação na cabine de aeronaves siga regramento padronizado da empresa aérea, essas limitações deveriam ser flexibilizadas em respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. Ainda segundo a corte, “seria possível a equiparação dos animais de suporte emocional aos cães-guia, aplicando-se ao caso, por analogia, a Resolução 280/2013 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).”.
Vale destacar que, de acordo com essa Resolução, o passageiro com necessidade de assistência especial, usuário de cão-guia ou cão-guia de acompanhamento, pode ingressar e permanecer com o animal no edifício terminal de passageiros e na cabine da aeronave, mediante apresentação de identificação do cão-guia e comprovação de treinamento do usuário. Essa resolução estabelece que o cão-guia ou o cão-guia de acompanhamento seja inclusive transportado gratuitamente no chão da cabine da aeronave, em local adjacente ao de seu dono e sob seu controle, desde que equipado com arreio, dispensado o uso de focinheira.
Além disso, o cão-guia ou o cão-guia de acompanhamento devem ser acomodados de modo a não obstruir, total ou parcialmente, o corredor da aeronave, e o cão-guia ou o cão-guia de acompanhamento em fase de treinamento devem ser admitidos quando em companhia de treinador, instrutor ou acompanhante habilitado.
Saliente-se que o operador aéreo não é obrigado a oferecer alimentação ao cão-guia ou ao cão-guia de acompanhamento, sendo esta responsabilidade do passageiro, e, obviamente, para o transporte de cão-guia ou cão-guia de acompanhamento em aeronave, devem ser cumpridas as exigências das autoridades sanitárias nacionais e do país de destino.
Infelizmente, a legislação de proteção dos animais domésticos no Brasil é muito escassa e leve em termos de punições, razão pela qual com frequência ficamos sabendo de histórias como as narradas no início desse artigo, sem falar que as indenizações na maioria dos casos não cobrem nem os honorários que devem ser cobrados pelos advogados de acordo com as recomendações da OAB. O triste Brasil, que considera vaquejadas e rodeios uma manifestação cultural, está muito longe ainda de ter uma legislação protetiva aos animais, sejam domésticos ou selvagens, que faça os humanos terem cuidado com esses seres sencientes e dignos de receber amor e proteção. Detesto usar clichês, mas cada vez mais gosto menos de gente e mais admiro a resiliência dos animais.
Atualmente, segue em tramitação a lei Joca, que, de acordo com a publicação de 24 de abril, foi alterada pelo Senado com modificações que enfraquecem os direitos dos animais e seus tutores visados pelo projeto original da lei Joca.
Veja-se que “o texto aprovado pela Câmara obrigava as companhias aéreas a oferecer serviço de rastreamento de cães e gatos durante as viagens, e tornava obrigatório o transporte do animal de estimação na cabine da aeronave, junto do dono, acabando com as viagens em compartimentos de carga.
Na versão do Senado, caberá à companhia decidir se o pet será levado na cabine com total responsabilidade do tutor ou no compartimento de cargas com a possibilidade de um rastreador e condições de acomodação que garantam o bem-estar do animal.
A escolha do local do transporte dependerá do porte (peso e tamanho) do animal. Tudo isso será regulado depois de o projeto virar lei pelo governo federal, especialmente pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).”
Vale dizer, a essência da lei Joca no que se refere a viagens foi esvaziada, pois caberá à ANAC regular essas questões tão importantes. A própria lei já poderia estabelecer essas regulamentações.
Seguem abaixo links de outros artigos que publiquei no Sler, que de alguma forma abordam direitos relativos aos animais.
Cachorros e gatos: alguns direito dos animais e seus tutores
Cães bravios e seus tutores que não respeitam as leis
O que são famílias parentais conjugais
A atualização do Código Civil
Todos os textos de Marcelo Terra Camargo estão AQUI.
Foto da Capa: Joca e seu tutor / Divulgação