Infelizmente, para as sociedades empresariais também vale o ditado popular que “nada dura para sempre, tudo tem início, meio e fim”. Desse modo, frequentemente nos deparamos com algum sócio querendo sair de uma sociedade, ou querendo “se livrar” do outro, ou até mesmo todos os sócios querendo terminar uma sociedade por motivos absolutamente particulares, ou em razão do negócio não ser mais lucrativo, não lhes proporcionar o retorno esperado.
O Código Civil ao tratar sobre as sociedades tem diversas disposições que se aplicam as diferentes modalidades sociedades empresariais, sobre as quais escrevi artigos detalhados e individualizados, publicados recentemente na Sler.
De uma forma geral, nas sociedades simples ou limitadas, a maior parte se dissolve por uma ou mais dessas causas, prevista expressamente no Código Civil:
I – vencimento do prazo de duração;
II – o consenso unânime dos sócios;
III – a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado;
V – a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar;
VI – falência;
VII – anulação da sua constituição;
VIII – exaurimento do fim social, ou verificação da sua inexequibilidade;
IX – exaurido o fim social, ou verificada a sua inexequibilidade.
Além disso, o próprio contrato social pode estabelecer outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente, se houver discussão entre os sócios sobre a ocorrência ou não das mesmas.
Dissolução total e dissolução parcial
A dissolução de sociedade pode ser total quando ela deixa de existir, e ocorre a extinção da sociedade, ou pode ser parcial quando há a saída de um ou mais sócios, mas ela continua a existir, ou seja, não é dissolvida. Lembre-se que ninguém é obrigado a permanecer em uma sociedade, um dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal é que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
Assim, mesmo quando não há falecimentos de sócios, pode acontecer deles optarem por encerrar a sociedade ou um deles deixar a sociedade já que pessoas podem querer mudar suas vidas, seus investimentos, seus nichos de trabalho, etc.
Apuração dos haveres
Uma vez que a dissolução total da sociedade empresária aconteça, é imprescindível que ocorra a liquidação para apurar os haveres, ou seja, levantar os ativos, os débitos, e então verificar quanto sobra para pagar os sócios.
Todavia em caso de dissolução parcial da sociedade, a metodologia é um pouco mais complexa, pois a sociedade continuará a existir, e não raramente, esse tipo de dissolução ocorre em um ambiente de animosidade, ressentimentos e até desconfianças.
Assim, obviamente, quando as partes não conseguem chegar a um acordo, pode ser muito útil a presença de um mediador que irá analisar o conflito, identificar os pontos de divergência, os anseios das partes, e ajudá-los na retomada de um diálogo para que eles encontrem a solução mais adequada. Em alguns casos os sócios conseguem eleger um perito ou empresa contábil da confiança de todos, e a apuração dos haveres de cada um é feita mais rapidamente.
Em alguns casos, no entanto, a apuração dos haveres acaba sendo motivo para longas, caras, e, por muitas vezes frustrantes batalhas judiciais, que no Brasil demoram décadas, ou são resolvidas por arbitragens, que embora dispendiosas, resolvem as questões com muita celeridade , se comparada com a lentidão que ocorre na via judicial.
Critério de apuração dos haveres na dissolução parcial
Um dos maiores imbróglios, e que já levou a diversos entendimentos jurisprudenciais, inclusive por parte do Superior Tribunal de Justiça, é a metodologia a ser utilizada para se chegar ao valor devido ao sócio retirante.
Em que pese previsão expressa no Código Civil, determinando que “nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado”, e exista no Código de Processo Civil, dispositivo que determina que “Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo a ser apurado de igual forma”, houve durante um bom tempo, o entendimento que deveria ser utilizado o método do fluxo de caixa descontado, pelo qual se apura o valor econômico de uma empresa, projeto ou negócio, levando-se em conta expectativas de receitas futuras que, saliente-se, nem sempre ocorrem da forma esperada. Essas projeções de receitas são trazidas ao valor presente aplicando-se a taxa de desconto correlacionada ao custo do capital e à perpetuidade do negócio.
Obviamente, essas estimativas carregam junto com elas muita subjetividade, e por mais sérias que sejam, não dá para desconsiderar o fato de que a economia no Brasil ainda é cheia de altos e baixos, suscetível a grande variação, a insegurança jurídica, principalmente no que concerne as regras do jogo, leia-se as questões regulatórias e tributárias. Elas fazem sentido quando empresários estão avaliando se vale a pena ou não se aventurarem em um novo projeto, um novo negócio. Não fazem muito sentido, quando se trata de verificar o atual valor de uma empresa, e quanto o sócio que está se retirando da empresa, deverá receber por sua participação na sociedade.
Felizmente, o STJ mudou seu entendimento, e passou a considerar que a realização de um balanço de determinação é o melhor metodologia a ser empregada para se chegar ao valor patrimonial da empresa. Esse balanço de determinação deverá levar em conta os bens e direitos que compõe o ativo, inclusive dos bens intangíveis, a preço de saída, e também considerar o passivo contábil da sociedade.
Outro critério que já gerou muita discussão é a data base que deve ser considerada para a apuração dos haveres. Vale ressaltar que o STJ entende que, quando o direito de retirada for “exteriorizado” por meio de notificação extrajudicial, a apuração dos haveres tem como data-base o recebimento do ato pela empresa.
Dissolução parcial causada por falecimento de sócio
Neste caso, exceto se houver previsão no contrato social determinando que os herdeiros do sócio morto passarão a ser sócios da empresa, ou um acordo entre os herdeiros e os demais sócios nesse sentido, as quotas do sócio morto deverão ser liquidadas e o valor decorrente pago aos seus herdeiros.
Espero que esse artigo tenha lhes sido de algum modo, e considero que é sempre bom conhecer o direito, para que possamos tomar nossas decisões pessoais, profissionais ou comerciais, considerando os impactos legais e econômicos que isso pode acarretar. Recomendo, sempre, que qualquer decisão com relação a dissolução de uma sociedade, sua liquidação e apuração dos haveres, seja feita com amparo na opinião de um advogado e de um contador.
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