Vez em sempre o fim do mundo está na moda. Ao que parece, por não sermos capazes de controlar o processo, preferimos nos dedicar à destruição do planeta à nossa maneira.
Sobre isso, Freud nos deu longas lições a respeito do impulso de destruição – e, paradoxalmente, de criação – que é a pulsão de morte. Digo criação, porque ela também está presente. O raciocínio aqui é sofisticado, mas não impossível. A conta é a seguinte: já que a morte está posta para cada ser vivente, a questão principal passa a ser o como. Como morreremos. Você não acha que está bebendo muito? De algo hay que morir. Muitas vezes é aí, em busca desse algo, que a nossa sanha criadora aparece. Nos melhores casos, enlaçada com os fios da vida e da arte, para nos distrair da mortífera tarefa.
Em todo o caso, a chamada pulsão de vida, ou Eros, como preferia Freud, não é exatamente criação, mas conservação. Daí que sua exacerbação também pode ser deletéria e um exemplo bem fácil é o conservadorismo. É no conservadorismo que estamos dispostos a matar forças criativas que sentimos como ameaça. Serge Leclaire tem um ensaio belíssimo e antigo onde fala sobre um impulso imperialista de Eros, quase fascista, e que, nestes casos, a presença da pulsão de morte surge como possibilidade de abertura nesse ominoso equilíbrio de forças psíquicas silenciosas e inconscientes.
Estar em casa é conservador, abastecedor e amoroso. Eu gosto. No entanto, quando sinto que não paro de me replicar e me reiterar subjetivamente, começo a sentir uma coceirinha de arte, de viagem, de ir respirar o ar da esquina na busca por algo que des-centre, que não seja meu mais do mesmo. Ver uma série pode ajudar, apesar do nome nos colocar também de perto com a repetição, com nosso eterno retorno.
E, já que falei em eterno, assistimos o Eternauta que está bombando no streaming. O que posso ainda dizer diante de tantos sucessos e comentários, como o viral: “o velho funciona” ou ainda, o dito que é tão ético quanto lógico “ninguém se salva sozinho”… Menos ainda tentarei uma análise, mas vou partilhar algumas anotações sobre o que gostei de ver.
1) América Latina e uma Buenos Aires de la provincia, menos afrancesada;
2) Uma série que não trouxesse ricos insolentes, plastificados em tediosos corpos sarados e harmonização facial;
3) A sabedoria dos velhos em ação sem o uso de recursos tecnológicos excessivos;
4) O truco no baralho espanhol e a intimidade nas amizades que parceiros de jogo recreativo podem desenvolver.
E, finalmente, gosto do fato de que esta distopia de 1957, com os pés bastante mais no chão por estes detalhes cor de vida real, esteja fazendo tanto sucesso. Devemos estar precisando.
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Peço apoio a você que gosta do que chamo a minha "sopa de letrinhas", quer dizer, os meus textos. Como psicanalista sou bem estudiosa e envolvida com a minha clínica, com a vida institucional e com a transmissão da psicanálise. Como escritora sou mais recente, mas já tenho dois livros publicados, artigos e textos em coletâneas, além de um novo livro em processo. Semanalmente, escrevo na Sler sobre psicanálise, cultura e diversidades. Necessito deste apoio para me manter nesta atividade que aprecio tanto, mas que requer tempo, pesquisa e cuidado. Muito obrigada!
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Foto da Capa: Divulgação.