Você participou do catecismo da Igreja Católica? No passado, existia uma tradição quase inevitável para quem crescia numa família católica: batizado ao nascer, catecismo na infância e, claro, a tão aguardada primeira comunhão. Pois bem, eu passei por essa experiência. Aprendi os fundamentos da fé católica, que ensinava que nascemos pecadores e que deveríamos passar a vida inteira sendo bons cristãos para tentar corrigir este pecado. Isto exigia humildade e muito esforço pessoal.
Já na adolescência, fiz um upgrade no sistema de crenças, entrei para um movimento de jovens ligado à Teologia da Libertação. Nesse movimento, Jesus era menos um “bom pastor” e mais um revolucionário hardcore, lutando pelos pobres e enfrentando os poderosos. A ideia de sermos humildes e imperfeitos ainda estava lá, mas agora com o apoio de um Jesus mais engajado socialmente.
Anos mais tarde, conheci outros movimentos e filosofias, que tinham uma vinculação espiritual, mas sem ligação com igrejas. Agora, em vez de sermos pecadores, éramos seres perfeitos por natureza! A ênfase estava na compaixão, na abundância, na beleza da vida e a conexão era direta com o cosmos!
Essa semana, ouvindo o episódio 104 do podcast Elefantes na Neblina, me deparei com uma reflexão interessante: “as certezas nos separam, enquanto as dúvidas nos unem”. Os debatedores fazem referência a um filme para reforçar esta ideia, dizendo que onde há dúvida, há espaço para a fé e para o diálogo. Isso me remeteu à minha trajetória de vivência de fé e busca de certezas.
No início, eu acreditava que éramos imperfeitos, cheios de dúvidas. Mais tarde, com os estudos, com o conhecimento científico e a aproximação com estas filosofias que me mostravam o ser humano como um ser perfeito, tive mais certezas do que dúvidas. Segundo este episódio do Podcast, esta transição das dúvidas para certezas vem ocorrendo nos últimos cem anos, desde que as igrejas foram perdendo sua influência sobre a sociedade ocidental, e as massas foram deixando de “temer a Deus” para acreditar nas suas certezas. Neste contexto, surgem os líderes fascistas prometendo defender do inimigo os interesses de uma determinada população. Sim, o fascismo sempre precisa polarizar, precisa ter um inimigo declarado.
O tempo foi passando e chegamos aos dias de hoje, onde as dúvidas são vistas quase como fraquezas. Somos pressionados a ter respostas rápidas e opiniões fortes, mesmo sobre temas nos quais não somos especialistas. Afinal, quem hesita parece inseguro e ninguém quer parecer frágil, certo? Talvez seja essa obsessão por certezas que alimente a polarização atual: todo mundo tem uma opinião imutável, “certo ou errado”, “contra ou a favor”.
Mas aqui vai o ponto: por que a dúvida aproxima as pessoas? Porque ela exige humildade. Ao admitir que não sabemos tudo, abrimos portas para o diálogo. Talvez eu possa aprender algo com o outro. Por outro lado, se entrarmos numa conversa com certezas absolutas, transformaremos o encontro num duelo para ver quem vence quem, e, no fim, ninguém muda de ideia.
Do ponto de vista da fé, são nos momentos mais difíceis que é necessário ter mais fé. Ou seja, quando existe a dúvida se uma graça poderá ser alcançada, ou quando se suplica por um milagre, são nestes momentos que é preciso ter muita fé. Só pessoas com uma fé inabalável continuarão acreditando que, apesar da total improbabilidade, Deus poderá fazer aquilo acontecer. Quem tem muitas certezas sobre a sua relação com o seu Deus terá uma fé fraca, pois acredita na alta probabilidade de estar tudo certo.
Assim, ao revisitar a minha trajetória e confrontá-la com a reflexão apresentada no episódio deste podcast, percebo que errei quando tive mais certezas do que dúvidas, pois sempre que surgiu a dúvida ela teve um papel essencial, seja na fé, na construção do conhecimento ou na busca de novos caminhos. Enquanto as certezas fecharam portas e cristalizaram opiniões, as dúvidas criam pontes e abrem espaço para o diálogo. Do catecismo à Teologia da Libertação, passando por filosofias espirituais e chegando às reflexões contemporâneas, ficou claro para mim que, tanto na esfera religiosa quanto na social, a humildade de aceitar a incerteza pode ser a chave para fortalecer a fé, humanizar as relações e superar a polarização. Afinal, talvez a verdadeira sabedoria esteja em equilibrar as dúvidas que nos conectam e as convicções que nos movem.
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Foto da Capa: Gerada por IA.