A rigor, forçando a barra das classificações inúteis, há dois tipos principais de amor. E, como o encontro deles costuma ser raro, convém nomeá-los com a esperança de que apareçam juntos.
O primeiro é lento, diário, comezinho. É um amor que olha, cuida e chega a ser altruísta. É solidário. Nunca será solitário, mesmo estando sozinho. Perdeu o rastro do tempo em que foi Narciso e só olha para os mitos que puderem acolher a realidade. É amor real, que acolhe quase o tempo todo. Vive no presente, embora tenha um passado e os dois olhos voltados para o futuro. Prático, faz planos, antecipa. Não se confunde, convicto da sua existência. Alimenta, faz compras e cálculos, prestativo. É o que pode, mesmo cansado, fazer um curativo. Aquece, se for para aquecer. Esfria, se for para esfriar. Dança conforme a dança do outro, porque dança junto, companheiro, amor o tempo todo, mesmo quando, aparentemente, não está ali. Em sua realidade, sonha um sonho que só poderia ser interpretado por um Ianomâmi.
O outro amor é rompante. Explosivo. Contraditório. Ele tem fé em Narciso, mas pode estar completamente sozinho, alimentado de algum outro amor. Olha, lambe, toca, ao mesmo tempo. Fascinado, exerce um fascínio, com paradoxo: abalado, nada o abala, banhado de medo amoroso de deixar de ser. Mais erótico do que o primeiro, tão erótico que pode se tornar pornográfico. Ama bem mais do que cuida, contempla bem mais do que prepara. Treme. Dança sozinho. Pode não ter passado, mas ocupa todo o presente. E, sobretudo, ignora o futuro. Em sua realidade, sonha um sonho que só poderia ser interpretado por um compositor popular.
Mas há um passado em comum nos dois amores. Ambos prestam contas ao começo, onde e quando uma figura materna amava. Amava cuidando, daí os rastros do primeiro amor. Amava fascinada, daí os rastros do segundo. Mas a tarefa materna era de tal forma laboriosa que ficava difícil juntar. Por isso, ao cuidar, sob o peso de tantas tarefas, o olhar da mãe podia se recolher e o fascínio estar ausente. Então, de repente, em pleno cuidado lento, exercia o milagre de fascinar-se e juntava os dois amores em um só.
Juntar será difícil para sempre. Mas, ora cuidando, ora fascinando, uma hora juntará, de repente. E aí ocorrerá aquela epifania, onde e quando até mesmo a morte, com todas as suas modalidades, retira-se com a viva sensação de que nunca mais irá voltar, porque naquele momento já seria inútil destruir o que se tornou inteiro.
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