Mick Jagger chega aos 40 anos. Não era assim tão seco e sem graça o título na capa da revista naquele julho de 1983, mas é o que resta na lembrança. O tom da reportagem combinava a badalada celebração com um certo tom jocoso pelo fato de a voz e a cara dos Rolling Stones seguir em plena atividade, saracoteando sobre o palco com fôlego e agilidade de guri.
Era o espírito da época, essa desconfiança com pinta de despeito diante dos que saíam, inteiros ou se arrastando, dos efervescentes anos regrados a sexo, drogas e rock’n’roll. Os anos 1980 anunciavam tempos mais caretas. Passado o furacão punk e em meio à nova onda da música pop que brotava embalada pela MTV, os Stones seguiam no topo abrindo mais uma década na já longa estrada, emplacando hits e lotando estádios mundo afora. Porém, no cenário hedonista de celebração à juventude e às novidades, elementos do barro seminal em que foi moldado o rock, a ainda aclamada maior banda de rock do planeta – tanto em importância histórica quanto em influência, marketing e cifras – parecia ocupar um lugar que já não lhe pertencia. Os pais da garotada que ouvia rock é que tinham 40 anos. Os “velhos” seguiam acompanhando seus ídolos, mas já estavam fora da grande massa juvenil de consumo que move as engrenagens da indústria cultural ditando e seguindo tendências e escolhendo a trilha sonora de suas vidas.
Essa percepção de existir um prazo de validade na carreira de quem havia despontado sob as luzes da rebeldia e da contestação tinha, acredito, uma razão simples. Até então, não existiam roqueiros, digamos, veteranos. Um punhado deles tinha sido fulminado pelos excessos químicos e etílicos. Elvis Presley tinha morrido em 1977. Little Richard (50 anos em julho de 1983), Chuck Berry (56), Jerry Lee Lewis e outros pioneiros dos tempos selvagens já eram vistos como peças de museu, embora seguissem em plena e elétrica atividade. Sobre os Stones e outros parceiros de desbunde da geração baby boomer pairava a desconfiança. O que ainda tinham para mostrar? Quantos milhões a mais queriam faturar para curtir uma aposentadoria tranquila?
Corte rápido para julho de 2022. No dia 12 agora, os Rolling Stones celebram os 60 anos de seu primeiro show. Dia 26, Jagger comemora 79 aniversários. E mostraram muita coisa desde 1983: ótimos discos, turnês cada vez mais grandiosas e, lógico, somaram outros muitos milhões na conta. Ninguém tirou deles o título de maior banda de rock do mundo. Aposentadoria? Nem pensar.
Jagger, Keith Richards, 78, e Ronnie Wood, 75, seguem queimando lenha em fogo alto. É incrível. Eles não têm mais idade de pais, mas de avôs e, sim, bisavôs. Em setembro de 2021, após um recesso imposto pela pandemia, retomaram a turnê No Filter motivados também pela homenagem ao baterista Charlie Watts, parceiro de vida que manteve a precisão e elegância no fundo do palco até os 80 anos. Watts morreu no mês anterior e foi substituído por Steve Jordan, chapa da turma. Foi a turnê mais lucrativa de 2021, em um cenário do entretenimento ainda não inteiramente recomposto após o impacto do coronavírus. Segundo a revista especializada em espetáculos Pollstar, os Stones, com apenas 12 shows, faturaram US$ 115,5 milhões. O ídolo juvenil Harry Syles, em segundo, arrecadou US$ 86,7 milhões com 39 apresentações na temporada.
Este fenômeno já é passado. Agora é a vez da Stones Sixty Europe 2022 Tour festejar os 60 anos dos eternos garotos. O giro pela Europa começou em junho e prevê um total de 14 concertos até agosto. O ponto alto até aqui foram as duas performances no Hyde Park, em Londres, que embasbacaram os críticos e os 65 mil fãs que lotaram o parque em cada dia, celebrando a vida eterna enquanto dura, uns ainda no berço, outros já na cadeira de rodas.
Jagger segue rebolando e rindo de Cronos. Imortal é ele, que já cantava em 1964 “Time is on my side”, cover premonitório incorporado ao repertório da banda e hoje síntese da jornada épica. Richards exibe a cada riff memorável a confiança e deboche de quem teve o corpo fechado pelo capeta numa animada encruzilhada já esquecida. Wood mostra que fez por merecer o protagonismo entre os gigantes preservando a cada solo, slide e acorde o DNA sonoro dos Stones.
Até onde vão? O céu é o limite? O inferno? Melhor não saber, e torcer pela chance de prestar reverência a eles diante do palco. Estamos acompanhando em tempo real uma grande história que segue rolando, pois esse sempre foi o espírito para não deixar a vida se perder no limo.