Já foi chamado de teto de gastos, sucessivamente desobedecido e desmoralizado, especialmente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro que o burlou à vontade. Agora é arcabouço fiscal. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou, na semana passada, a proposta de equilibrar as contas públicas e evitar que disparem de modo a prejudicar a saúde financeira e econômica do País. Seguindo o ritmo em que o País se encontra, chegaríamos não num arcabouço, mas literalmente num calabouço. Ora, arcabouço é o esqueleto de uma estrutura que dá equilíbrio às contas. E calabouço, como víamos naqueles filmes lá de antigamente, é onde são confinados os ladrões. Os de joias e até os dos tesouros do Reino.
Em cinco pontos, em matéria especializada publicada na Folha de São Paulo, resume-se:
- Despesas terão crescimento limitado
O arcabouço estabelece que as despesas precisam crescer num ritmo menor que a arrecadação. A porcentagem proposta é de 70%. Por exemplo, se arrecadação crescer 1%, as despesas federais só podem crescer 0,7%. Para fazer a conta de quanto poderá gastar no ano seguinte, o governo usará as receitas primárias líquidas nos 12 meses até junho do ano em curso. (receita primária é a receita não financeira, como, por exemplo, arrecadação tributária, royalties e transferências recebidas de outros entes públicos; receita primária líquida é a receita primária total menos transferências obrigatórias aos demais entes).
- O crescimento das despesas terá teto e piso
O crescimento real (descontada a inflação) das despesas, de acordo com a proposta do governo, não poderá ser menor que 0,6% nem maior que 2,5%. Por exemplo, se as receitas subirem 4%, ao aplicar a regra 1 o aumento permitido para as despesas seria de 2,8% (70% de 4%), mas a regra 2 barra essa elevação pelo teto de 2,5%. Isso impõe um limite às despesas em tempos de bonança e aumenta a possibilidade de reduzir a dívida pública, já que sobram mais recursos.
Por outro lado, também num exemplo, se as receitas não subirem nada nos 12 meses de referência, a regra 1 deixa de valer e será permitido um crescimento dos gastos de 0,6%. Isso permite que as despesas não sejam estranguladas em anos de crise
- Despesas com educação, saúde e emendas são exceção
A regra não vale para os gastos com saúde e educação, já que essas despesas têm valores mínimos já estabelecidos pela Constituição. Nessas áreas, as despesas poderão crescer no mesmo ritmo das receitas. O mesmo vale para emendas parlamentares.
- Se a economia não for suficiente, aperto nas despesas será maior
Na sua proposta de arcabouço fiscal, o governo estabelece um compromisso de reduzir o deficit fiscal atual (deficit fiscal ocorre quando gastos superam receitas), zerando esse déficit em 2024 e obtendo superávit (sobra de receitas, já que elas superam os gastos) crescente nos anos seguintes.
Esse compromisso propõe uma margem (banda) para cima e para baixo no resultado anual das contas públicas. Por exemplo, para 2025, o governo se compromete a obter um superávit de 0,5% do PIB, variando de 0,25% a 0,27% (as bandas são de 0,25 pontos percentuais para menos e para mais). Se a economia obtida ficar abaixo da banda inferior, a regra será mais apertada: em vez de as despesas poderem crescer 70% da alta das receitas, só podem aumentar 50%.
- Investimentos terão piso e podem crescer se a economia for maior que a prevista.
A proposta cria um piso de investimentos, de cerca de R$ 75 bilhões em valores de hoje, corrigidos pela inflação de cada ano. Se a economia de recursos públicos ficar acima da banda proposta, o governo pode usar essa sobra de recursos para fazer mais investimentos em obras.
Isso aconteceria, por exemplo, se o governo obtivesse em 2024 um superávit de 3% do PIB, enquanto seu compromisso para o próximo ano é de zerar o déficit. Como 3% está acima da banda superior, de 2,5%, o governo poderá investir o excedente.
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Por último, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e seus executivos aproveitarão esta Semana Santa para finalizar o projeto de lei complementar do substituto. O texto ainda não está pronto e só chegará ao Congresso depois da Páscoa, a partir de 10 de abril. O cronograma contraria declarações do líder do Governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), que disseram na última quinta-feira que o projeto já estaria no Congresso.
Foto da Capa: Ministro Fernando Haddad – por Marcelo Camargo/Agência Brasil