Quando criança, detestava camarão e cogumelos. Na adolescência, qualquer pessoa que pensasse diferente de mim eu considerava reacionário. Abominava quem tinha uma postura apaziguadora e acreditava que a solução para o mundo estava no radicalismo. Pouco mais tarde, eu dizia que jamais me casaria com um homem de barba. No começo da vida adulta, estava determinada a submeter os filhos que pretendia ter a um regime disciplinar rígido e mantê-los longe de escolas católicas. Nunca na vida que moraria na zona sul de Porto Alegre. Também me negava a sequer cogitar de morar novamente em São Paulo.
Não estamos falando de valores básicos, ainda que mesmo esses possam (e algumas vezes deveriam) mudar ao longo do tempo, com a experiência e a maturidade. Já vi gente que defendia a tese de que “bandido bom é bandido morto” virar defensor dos direitos humanos – embora, infelizmente, também tenha visto o contrário acontecer. De toda forma, tem me intrigado como há gente que se envaidece de manter as mesmas posições sobre diferentes assuntos ao longo dos anos. E gosta de se vangloriar: “sou coerente”.
Como mãe de uma menina de 11 anos, por exemplo, vejo o quanto convicções arraigadas podem ser prejudiciais na criação de um filho. A verdade é que eu tive a sorte de, quando a Lina ainda não havia completado três anos, traduzir um livro sobre o desenvolvimento cerebral das crianças: O cérebro da criança, de Daniel J. Siegel. Ali aprendi que muitas das estratégias “comprovadas” de educação dificilmente trazem resultados efetivos não porque a criança tenha problemas, mas porque ela ainda não está fisiologicamente preparada para compreender ou realizar determinadas coisas. O resultado: sou uma mãe muito diferente da que idealizei e imaginei que seria. Incoerente? Que seja.
A lógica vale também para visões de mundo. Mesmo depois das transformações profundas que vêm ocorrendo na geopolítica internacional nas últimas três décadas, em pleno 2023, autoridades e “pensadores” ainda defendem bandeiras que perderam a validade ou mesmo a lógica ainda na década de 1990. Que o debate político ainda ocorra em torno do “comunismo” – seja com saudação ou execração – chega a ser comovente (para não dizer exasperante). Como li em um tweet, dia desses, a sensação que dá é de estarmos em 1984. Não é como se não houvesse muita coisa sendo falada e pensada para essa nova realidade, mas fica difícil avançar quando grande parte dos atores segue agarrada com ideias zumbis.
Que tal parar de saudar incondicionalmente a coerência (até a mandioca é mais digna de saudação, francamente) e passar a valorizar a busca de formas novas de fazer as coisas? Vamos ouvir mais, ler mais, nos informar mais antes de formar opiniões e tomar atitudes e decisões? Segundo Stephen Hawking, “inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança”. Considerando que a mudança é, conforme Heráclito, a única constante, manter-se fincado nas próprias convicções é, no mínimo, pouco inteligente.