Qual é o índice de felicidade em comunidades periféricas?
Como pensar em plataformas de futuro de forma colaborativa sem impor uma visão externa, praticando escuta dialética e articulatória nas comunidades periféricas?
A felicidade pode ser um indicador para ativar inovação e criatividade na solução de problemas?
Com estas e outras questões, a minha consultoria – a Plann.hub Inteligência, Estratégia e Inovação – e a Carbono cc, consultoria de pesquisa e comportamentos da Débora Bregolin, Doutoranda em Design pela Unisinos, lideraram tecnicamente, inicialmente, uma pesquisa quantitativa e qualitativa que acabou virando a primeira aplicação adaptada do Índice de Felicidade, utilizado em empresas e cidades, em territórios de periferia.
O Índice de Felicidade do Morro foi co-criado para inverter a lógica de um futuro que se pensa de fora para dentro, e deseja levar em consideração a inteligência coletiva do território para engajar os moradores e criar pontes, inovando a forma de coexistência entre centro e periferia.
Inspirado no índice Felicidade Interna Bruta (FIB), criado no Butão e amplamente divulgado pelo PNUD, e desenvolvemos uma adaptação das dimensões a serem avaliadas e agregamos uma escala de felicidade que dialoga com a realidade dos territórios periféricos, considerando suas percepções sobre futuros, sonhos e análise de fatores críticos sobre ser feliz na periferia.
O refrão: “Eu só quero ser feliz na favela onde nasci” pela ótica da amostra de 120 moradores do Morro da Cruz é relativizado e a pesquisa traz sinais de como é a percepção de felicidade e suas conexões com a realidade.
Na primeira rodada do Índice Felicidade do Morro, em Porto Alegre, os dados instigam:
- 96,4% dos entrevistados são felizes e se consideram muito felizes;
- 95, 5% conseguem enxergar um futuro para si mesmos;
- 96,4% acham que suas vidas têm futuro.
A percepção de felicidade, segundo os entrevistados, vem de uma visão: “Sobre pensar positivamente mesmo com dificuldades.”
Porém, ao aprofundar a avaliação do índice, a pesquisa pediu notas dos entrevistados sobre cinco indicativos de felicidade: vitalidade comunitária, meio ambiente, saúde, educação e bem-estar psicológico.
Na totalidade destes pontos, a visão de felicidade se torna altamente negativa, trazendo pontuações abaixo de 30, numa escala de 100. Ou seja, mostrando que a realidade precisa ser transformada para que a felicidade positivista, articulada por uma narrativa religiosa, presente nos respondentes, possa sair de um discurso de “sou feliz apesar de todas as dificuldades” para uma felicidade com base em melhores coeficientes de cidadania.
Inclusive as pesquisadoras realizaram uma análise aprofundada sobre a dicotomia das respostas a partir dos discursos cruzados, em observação de campo e grupo qualitativo, onde a religiosidade articula, a partir da fé e esperança, uma visão de felicidade desconectada da realidade no território.
Mesmo dizendo que são felizes, no mesmo questionário aplicado, 62,2% responderam que no eixo Bem-estar psicológico sentiram mais emoções negativas durante o dia. Débora Bregolin que estuda comportamento geracional, aponta: “A maior parte dos respondentes são jovens, e sabemos que a Geração Z é a geração com maiores impactos negativos de saúde emocional. Este dado pode refletir que este comportamento atravessa classes sociais e interseccionalidades, unindo centro e periferias neste momento atual. E que provavelmente existe um alto impacto de ansiedade e depressão nos territórios porque a ideia de felicidade está conectada ao consumo e acesso.”
Quais são os fatores de felicidade no Morro? Religião, Saúde, Escola, Festas e Bailes, Bens Materiais.
Quais são os fatores de infelicidade no Morro? Violência, Falta de Estrutura, Insegurança, Tráfico e Acesso.
A felicidade está relacionada a sonhos de futuro para os entrevistados: de um lado, os jovens de religiões pentecostais com sonhos de família, filhos e aquisição de bens e segurança financeira. E no outro lado, jovens do “corre” que se sentem com uma visão mais individualista e acreditam que devem resolver a vida por si mesmos.
Quando perguntamos sobre a vida no futuro, as respostas se concentram em: Realizações Pessoais e Estabilidade, Fé e Espiritualidade, Família e Relacionamento, Melhoria de Vida e Educação.
Acredito que encontramos um discurso e uma crença de felicidade relativizada. Então, percebemos que teríamos que criar uma escala de felicidade, pois o conceito não é universal. No Brasil, existe uma felicidade idealizada nas periferias.
É preciso pensar seriamente sobre a narrativa que está sendo construída no Brasil para não se evoluir a questão de fato: a desigualdade profunda que afeta o coeficiente de cidadania. Começamos por Porto Alegre, mas desejamos aplicar este método em várias comunidades para podermos ajudar na tomada de decisão tanto para políticas públicas quanto para direcionamento de investimento em ESG e para a própria comunidade poder inovar na busca de soluções para os problemas do território.
O índice de Felicidade do Morro tem potencial de ajudar a construir comunidades mais saudáveis e regenerativas.
Apresentamos a pesquisa integralmente em 19.09.2024 e ela foi entregue à Formô.hub, que irá usar os dados já com direcionamento para a narrativa e visão programática do evento que irão realizar em novembro.
A pesquisa segue já com programações de aplicação de novos sprints em dois territórios periféricos de Porto Alegre, e estamos articulando a aplicação em territórios periféricos de SP, RJ, Recife, Belém, Manaus. Com os novos dados amostrais, a intenção é criar um mapa de ativação da felicidade e futuros das periferias e entregar a cada comunidade para articulação e geração de projetos de impacto.
Instituições e organizações que desejem dialogar sobre a metodologia que vai além do instrumento pesquisa podem entrar em contato.
Patrícia Carneiro é pesquisadora de narrativas emergentes, Mestre em Educação e Classes populares pela UFRGS, especializanda no pós graduação do IEA do Ieafutureslab, da Escola de Administração da UFRGS. Patrícia também foi colunista da Sler, veja aqui.