Os que silenciaram ficaram por cerca de uma hora no local e depois seguiram para a sede do PL, partido de Bolsonaro. Na contramão, Mauro Cid, que chegou quase duas horas antes do horário combinado para sua oitiva, só deixou a sede da PF depois das 21h. O ex-braço direito de Bolsonaro está preso desde 3 de maio no Batalhão do Exército de Brasília. Após mudar seu advogado de defesa, adotou postura de maior cooperação com autoridades policiais e tem tido longos depoimentos. Na segunda-feira, falou por 10 horas com investigadores sobre o caso do hacker Walter Delgatti Neto, e já acumula 30 horas frente aos policiais.
O ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e outros dois aliados do ex-presidente permaneceram em silêncio em depoimento na última esta quinta-feira à Polícia Federal sobre o caso das joias presenteadas por autoridades de países árabes. O grupo usou a justificativa de que o Supremo Tribunal Federal não tem competência para atuar nessa fase da investigação e buscou driblar a decisão da PF de ouvir oito pessoas de forma simultânea para evitar combinação de versões. A estratégia do casal Bolsonaro foi seguida também pelos seus assessores Fabio Wajngarten e Marcelo Câmara. O pai de Cid, General Lourena Cid, e o advogado Frederick Wassef também prestaram depoimento, e Osmar Crivelatti (tenente e ex-ajudante de ordens) falou por nove horas.
A justificativa do ex-casal presidencial Bolsonaro e Michelle pelo silêncio é baseada em parecer da PGR (Procuradora-Geral da República), citando que o STF não poderia atuar na atual fase da investigação. Aliados do ex-presidente dizem que cabe à Justiça de São Paulo apurar o caso. “Desta forma, considerando ser a PGR a destinatária final dos elementos de prova da fase inquisitorial para formação do juízo de convicção quanto a elementos suficientes ou não a lastrear eventual ação penal, os peticionários Jair e Michelle, no pleno exercício de seus direitos e respeitando as garantias constitucionais que lhes são asseguradas, optam por adotar a prerrogativa do silêncio no tocante aos fatos ora apurados”, disseram, em petição, os advogados Daniel Tesser e Paulo Bueno.
O ex-presidente, que costuma falar de improviso, desta vez silenciou também publicamente. Michelle, por sua vez, publicou uma nota nas suas redes sociais ressaltando, mais uma vez, o parecer da PGR. “Não se trata de ficar em silêncio. Estou totalmente à disposição para falar na esfera competente e não posso me submeter a prestar depoimento em local impróprio, como já restou expressamente consignado pela dra. representante da Procuradoria-Geral da República (PGR), o STF não se mostra o órgão jurisdicional correto para cuidar da presente investigação”, afirmou.
Já a defesa de Câmara, feita pelo advogado Eduardo Kuntz, disse “que o coronel Marcelo Câmara se encontra absolutamente à disposição para prestar todo e qualquer esclarecimentos, todavia nos termos da petição apresentada existe manifestação da Procuradoria-Geral da República que não reconhece o presente local não se trata de permanecer em silêncio, mas sim prestar esclarecimentos nas esferas efetivamente competentes”.
O ex-assessor de comunicação do Planalto e também advogado, Fábio Wajngarten, se queixa de não ter tido acesso à íntegra das mensagens sobre as joias trocadas entre ele e Cid. O conteúdo das mensagens levou a PF a chamá-lo para depor nesta quinta. O ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social afirma ainda que é advogado constituído por Bolsonaro nos autos.
O advogado Frederico Wasseff depôs por videoconferência da sede da PF em São Paulo. Ele falou com jornalistas na entrada e na saída do edifício da corporação, mas não deu detalhes sobre o que disse aos policiais. Afirmou ser vítima de fake news. “O inquérito tramita em segredo de justiça. Eu respeito a PF, o Poder Judiciário. Eu sou vítima de vazamento sempre. Portanto não vazo nada”, disse Wasseff, que advoga por Bolsonaro no caso da facada de 2018. A inclusão da investigação das joias no inquérito das milícias digitais no STF gera questionamentos sobre a competência da corte na apuração.
Especialistas em direito penal destacam que, devido ao sigilo, não há conhecimento sobre quais são os eventuais elementos de conexão entre as condutas dos alvos ou provas, o que justificaria a condução dessa apuração no STF. O ex-presidente Bolsonaro não tem mais foro perante a corte, e o caso das joias era investigado desde março de forma sigilosa pelo Ministério Público Federal em Guarulhos, a pedido da Receita Federal, e pela Polícia Federal em São Paulo. Há duas semanas, a Vara Federal local enviou o caso ao STF.
Os investigadores marcaram todas as oitivas para o mesmo horário, na intenção de mitigar a possibilidade de criação de uma versão prévia e para pegar possíveis contradições entre os suspeitos. A PGR se manifestou neste mês pelo envio do caso para a Justiça de Guarulhos. Moraes, no entanto, não levou em conta a posição do órgão e autorizou os pedidos feitos pela PF de busca contra alguns investigados.
O parecer, apesar de assinado por Lindôra Araújo, até recentemente braço direto de Aras, repete as várias tentativas da PGR de encerrar o inquérito das milícias digitais. “Tampouco parece razoável que, desconsiderando a ausência de investigado detentor de foro por prerrogativa de função, o conhecimento por medidas cautelares de natureza antecipatória tenha lugar nesta Suprema Corte, sem que disso não se vislumbre a assunção do risco de nulidade futura, por desrespeito a garantia do juízo natural”, afirmou Lindôra.
Confissão ou Delação
A defesa de Mauro Cid negocia com a Polícia Federal uma confissão parcial, segundo interlocutores do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Ainda não se sabe o que Cid deve confessar. O tenente-coronel do Exército é alvo de uma série de investigações (emissão de falsos comprovantes de vacina contra a Covid, venda de itens da União no exterior). Na segunda-feira da semana passada, Cid ficou mais de 10 horas na PF em Brasília para depor no inquérito que investiga a invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo hacker Walter Delgatti Neto, para desacreditar o sistema judiciário brasileiro.
Advogados do tenente-coronel não tinham tido acesso aos autos desse inquérito, pois Cid não era alvo, e precisavam se inteirar do caso. Cid ainda não definiu se fará ou não a delação. O atual advogado dele, Cezar Bittencourt, é contra usar o instrumento no caso dele. Na família do militar, entretanto, há quem defenda a delação como o único jeito de aliviar a situação do pai, general da reserva Mauro César Lourena Cid (alvo no inquérito dos itens da União) e da mulher, Gabriela Cid (no das vacinas). O tenente-coronel, porém, pode fazer uma confissão com vistas a diminuir as eventuais penas a que pode estar sujeito.
Foto da Capa: Carolina Antunes / Agência Brasil