Um dos grandes fenômenos musicais de 2025 é a música ‘É Preciso Dar Um Jeito Meu Amigo‘, da trilha sonora do filme ‘Ainda Estou Aqui’, de Walter Salles. Gravada em 1971 no álbum Carlos Erasmo, de Erasmo Carlos, chegou a entrar na playlist TOP Viral do Spotify.
Não é a primeira vez que essa música entra numa trilha sonora de um filme. No longa-metragem gaúcho de Gilson Vargas, Dromedário no Asfalto (2015), ela aparece no trailer que está disponível no Youtube e também no filme. Na época, Erasmo assistiu à cena do filme e autorizou o uso, afinal era um álbum lado B da música brasileira e a produção gaúcha, com poucos recursos, conseguiu negociar seus direitos. Mas para ela se tornar popular dez anos depois, foi preciso que estivesse numa produção com alcance internacional e com um orçamento digno de concorrer ao Oscar.
A trilha sonora de um filme pode ativar ganchos e dimensões espaciais que nos levam a um tempo passado, resgatando imaginários e referências de memórias. É Preciso Dar Um Jeito Meu Amigo é uma balada existencialista composta em parceria com Roberto Carlos e traz uma reflexão da ditadura militar de forma subliminar. Afinal, naquele início de anos 70, qualquer obviedade sobre o tema poderia custar a vida de quem ousasse questionar a ordem vigente. Mas, ao ser revisitada e colocada num filme 54 anos depois, cai como uma luva para demonstrar os anos sombrios da história do Brasil.
Ao mesmo tempo é preciso lembrar que o álbum Carlos Erasmo ficou restrito a colecionadores e pesquisadores da música brasileira quando lançado nos anos 70 (gravadora Philips), pois dava adeus ao padrão estético da jovem guarda, o que não agradou aos fãs “comportados” do iê-iê-iê. Em 2013, foi relançado em vinil 180 gramas pela Polysom Vinil e sem dúvida é um dos álbuns mais importantes da música brasileira.
São 13 faixas que vão tratar de maconha, liberdade, sexo e a opressão religiosa sobre o amor. O álbum abre com o samba rock De Noite na Cama, composta por Caetano Veloso, e segue com a balada “meio” psicodélica Masculino, Feminino.
A quarta faixa é um o rock groove Dois Animais na Selva Suja da Rua, de Taiguara. Já a balada Gente Aberta abre com a frase “Eu não quero mais conversa com quem não tem amor” – parceria com Roberto Carlos, bem como a canção Maria Joana, que faz uma apologia discreta ao uso da maconha e flerta com o tropicalismo. Tem arranjos feitos pelo maestro Rogério Duprat, além de 26 anos de Vida Normal, que é composta por Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle.
Sodoma e Gomorra é outra parceria com Roberto Carlos, trata do pecado, das culpas e das tentações da carne flertando com a música barroca. O álbum também traz a versão de ‘Agora Ninguém Chora Mais’, de Jorge Ben, e os arranjos do maestro Arthur Verocai em ‘Ciça Cecília’, que foi tema de novela.
Se você viu o filme ‘Ainda Estou Aqui’, deveria ouvir esse álbum ‘Carlos Erasmo’. É um registro de como os jovens artistas daquela geração retratam os anos 70 e suas relações. É um álbum caprichoso, atemporal, com um time de músicos e padrão técnico excelentes. Há um amadurecimento da estética tropicalista, misturando o que de melhor a música brasileira produziu.
A escolha da música ‘É Preciso Dar Um Jeito Meu Amigo’ potencializou a história e o filme. Mas cabe lembrar que uma trilha sonora leva a narrativa do filme, pois não há grandes filmes sem uma grande música. Foi uma união perfeita que gerou novos ouvintes e a formação de plateias para o cinema nacional.
Ana Paola de Oliveira é jornalista, produtora musical, mestre em comunicação e especialista em direito autoral. Produtora executiva, assessora de imprensa e curadora. Produz fonogramas e licenciamento de músicas para audiovisuais. Foi professora da ESPM nos cursos de jornalismo e publicidade e propaganda. Repórter e crítica musical do Correio do Povo. Trabalhou como diretora de produção e assessora de imprensa na Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da Prefeitura Municipal de Porto Alegre na Usina do Gasômetro.
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