Quando me olho no espelho atentamente, tenho me deparado com o meu bigode chinês (aquela ruga que vai da base do nariz até os cantos dos lábios) me dizendo: E aí? Vai me deixar assim? Não acha que tô ficando feio demais? Quem sabe faz um preenchimento pra eu ficar menos visível? Tem dias que respondo pra se acalmar, ele é um sinal de que estou envelhecendo, que faz parte da minha história, e que isso é bom. E, afinal, quando eu sorrio ou converso, o que eu faço muito, nem aparece tanto quanto tá dizendo. Mas tem dias que dou razão para ele, diante das tantas mensagens que recebo do mundo de que beleza está na estética.
Dos tempos de criança, tiro da memória quando era elogiada pelo cabelo comprido (detestando ter que pentear e tirar os nós dele todos os dias) e chamada de “fortinha”, pois sempre tive uma estrutura grande, robusta, o que me fez entender que era gorda. E através dos olhos dos outros a gente vai aprendendo nossos “pontos fortes e fracos”. E que pra ser bonita precisamos agradar a esse outro, de preferência, conjugando no masculino.
Na adolescência, lembro de ir ao salão para depilação, pé, mão, cabelo, maquiagem. E nas inúmeras dietas para emagrecer. E à rotina dessa época, com o passar do tempo, acrescentei outros “cuidados”. Todos os esforços, claro, “absolutamente necessários para ficar bonita”.
Envelhecendo, fui me dando conta de que beleza não tinha padrão, que beleza não estava na juventude perdida, que beleza estava em todas as fases da vida e mais no conteúdo do que na embalagem. Fiquei sem vergonha. Sem vergonha de ir atrás do que me faz bem. Largando cuidados dos quais eu me sentia aprisionada numa cultura que coloca a mulher num papel inferior, a serviço do homem, sempre bonita.
Por causa dessa cultura machista onde vivemos, fomos ensinadas que nosso maior valor é a beleza, precisamos perseguir uma beleza ideal (onde nunca somos suficientes), onde o casamento é o nosso grande objetivo e os filhos a nossa maior realização. Por isso, aprendemos que toda mulher é uma competidora em potencial e a sermos rivais uma das outras.
Tenho consciência de que faço parte de uma sociedade que valoriza um padrão de beleza jovem, eurocêntrico e magro, e estou disposta a ceder em alguns aspectos, mas colocando meus limites. Essa consciência me ajuda. Então, fico tranquila quando faço minhas unhas, sobrancelhas, depilação. Mas sei que tenho fronteiras que não vou cruzar. Pra sempre? Quem sabe?
Não pinto o cabelo e nunca pintei. Confesso que teve uma época em que falava disso com orgulho e um certo ar de superioridade. Hoje não me sinto mais assim. Pois entendo que essa é apenas uma escolha entre outras tantas. E se quisesse pintar de loiro, assim como de roxo ou azul? Qual é a diferença? Afinal, não vivemos num mundo diverso, inclusivo? Penso que na história ganhamos a liberdade de escolha, quando nos tempos das nossas bisas, avós e mães apenas um caminho estava determinado. E isso vale a pena.
E quem faz procedimentos estéticos? Cada vez mais penso que tudo é relativo. Lembra da Elza Soares? Quer mulher mais “embotocada” do que ela? Mas era uma potência! Um exemplo de mulher olhando por qualquer aspecto da sua vida! E daí que fosse cheia de procedimento? Por acaso, eles a definiam? Assim como ela, podemos trazer o nome de outras tantas à baila. Cada uma sabe a dor e a alegria de ser quem se é.
Ah, Karen, então você está dizendo que mulheres estão liberadas para fazerem quantas vezes quiserem harmonização, cirurgia plástica, botox, ir ao salão… Não estou dizendo isso. Penso que precisamos de menos julgamento e mais acolhimento. Quero me dirigir a todas as mulheres. De todos os padrões, de todos os tamanhos, cores, credos, estilos e pensamentos. Quando olhamos para uma mulher, não conhecemos a sua história além do que enxergamos. E para conhecer essa história, precisamos de tempo e diálogo.
E, pra quem está na dúvida sobre seguir ou não os tais cuidados de beleza que a gente, mulher, é bombardeada a fazer, mas sofre com a consciência para não sucumbir aos tais padrões, sugiro uma dose de investimento em terapia para (se) entender melhor e ganhar em autoconhecimento. Mas se o dinheiro da terapia não estiver rolando, aquela amiga ou o grupo de amigas de confiança para trocar ideias também tá valendo. E isso é outro aspecto. Nós, mulheres, estamos reaprendendo a sororidade.
A amizade feminina é potência e um ato de resistência. Estarmos reunidas nos fortalece. Quando nos juntamos, por meio das nossas conversas e testemunhos, conhecemos umas às outras e a gente mesmo, criamos possibilidades, esperançamos caminhos, torcemos, apoiamos e alegramos com as conquistas de cada uma.
Olha, estou em constante aprendizado para ser quem quero vir a ser, sem vergonha e livre, escolhendo onde querer se prender, ou não. Isso é possível? Na verdade, acredito que quem diz que já conseguiu, morreu. Sobre aquele bigode chinês? Ele ainda está lá. Fizemos as pazes, por enquanto.
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