Acalmaremos nossos corações e teremos mais luz para o trabalho solidário que é urgente e precisa ser permanente. Reabasteceremos nossa esperança. E o menino voltará a brincar ao ar livre.
“Vem sol, vem sol, cruz de cinza, cruz de sal, casca de ovo no quintal, vem sol”*
Nesses dias cinzentos de angústia, medo, espanto, abandono, dor, mortes, desaparecimentos, desabrigados, tristeza, muitas perguntas brotam na minha cabeça – Por quê? O que desencadeou tamanho descontrole da natureza? Para onde ir? Como? Não tenho respostas com a objetividade e o conhecimento necessários porque neste momento sou pura emoção. São muitos os questionamentos que caem no nosso colo e não sabemos o que fazer com eles.
Mas não tenho dúvidas de que o descaso absurdo com o meio ambiente e a negação da sabedoria genuína dos povos indígenas e da ciência, somados à falta de manutenção e de qualquer tipo de fiscalização, mais as falcatruas sempre presentes nas administrações são os principais responsáveis pelo desespero que vivemos. As irresponsabilidades dos governos, entre elas “as construções predatórias e o abrandamento de leis ambientais”**, sempre presentes nas plataformas para beneficiar grandes empreendimentos, estão explícitas por mais que neste momento apresentem justificativas e lamentem o que acontece. E nem vou falar das privatizações que não melhoraram serviço nenhum.
Quero falar da solidariedade que me comove muito neste momento
São as pessoas nas estradas, em barcos, nas ruas, em abrigos tentando salvar vidas, levando roupas, alimentos, ouvindo quem perdeu tudo com um olhar acolhedor, uma palavra de carinho, um abraço, o bem estar possível em meio a uma tragédia anunciada que agora choca o mundo inteiro. E lá estão os bombeiros e os trabalhadores anônimos do cotidiano, dia e noite, tomando atitudes que engrandecem o ser humano. Há subjetividade e há singularidade em cada gesto.
E volto a uma reflexão sobre o trabalho que já comentei algumas vezes aqui no Sler. É impossível pensar o exercício profissional sem levar em conta o meio onde vivemos – nossas histórias, escolhas, dramas pessoais e profissionais, pessoas que nos cercam, a família, os amigos, os conhecidos, as maneiras de lidar com a saúde física e a saúde mental, tão dilaceradas neste cotidiano trágico!
As ações do homem se pautam por uma regularidade e uma organização no sentido de preservar o equilíbrio e as conquistas, mas extrapolam todas as medidas por conta de uma ambição desmedida e de um poder predatório. E quando o inesperado chega derrubando todas as certezas e jogando no centro da cena a fragilidade do meio ambiente sucateado e, consequentemente, a nossa fragilidade, o que é possível fazer?
Precisamos preservar a nossa essência a partir de um olhar amplo, sem medo de ver e apontar as falhas de uma sociedade normalizada por um sistema que já não serve nem para os que estão no topo da pirâmide, que dirá para os que vivem à margem. Há que se olhar para o saber e a entrega solidária de cada indivíduo, tão presentes neste momento. Há que se olhar para a criatividade no desenvolvimento das tarefas que muitos assumiram para ajudar o outro, considerando a dor e a vida que ressurge da tragédia a todo o instante. Sempre com o foco no humano, vendo e reconhecendo o outro na sua condição, sem preconceito, que é o que precisamos para a nossa dignidade. Vem sol!
“Vem com tanto azul no céu / Pra criança se perder de tanto rir / Pro menino se alegrar e o céu cair / Nessa rua onde o brinquedo é só você”*
* “Cruz de Cinza, Cruz de Sal”, música de Tereza Souza e Walter Santos, sucesso na voz de Elis Regina, que sempre me encantou e canto.
** Obrigada Carlos André Moreira.
Foto da Capa: Freepik IA-generated
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