Há algumas semanas, almocei com meu filho no Bom Fim. Como tínhamos alguns minutos até o próximo compromisso, andamos um pouco pelo bairro. O destino foi o Café Viena e eu contava para ele que me sentava lá enquanto o embalava no carrinho de bebê e as pessoas que nos atendiam eram as mesmas daquele tempo.
Ao entrar no café, um desconhecido se aproximou de mim e perguntou: “é teu guri?” Eu disse que sim e ele me deu os parabéns. Surpreso, perguntei o porquê. Ele me respondeu que nos viu descendo a rua, conversando, que eu havia abraçado ele, que a gente conversava olhando um para o outro, que rimos juntos e que isso “era coisa rara de se ver”.
Tomei o café com calma, mas não pude disfarçar a minha surpresa. Fiquei pensativo e sequer toquei no smartphone, afinal, tinha uma reputação a zelar. Mas que mundo é esse que se espanta diante de um pai e filho andando juntos, prestando atenção no que o outro está falando?
Um dia depois, em crônica aqui na SLER, a Lelei Teixeira alertava que “enquanto disfarçamos a implacável impotência que nos assalta, estamos embrutecidos diante de tanta impossibilidade.” E reivindicava: “Precisamos mesmo recuperar a delicadeza perdida”.
Em texto publicado há alguns dias no jornal Público, de Portugal, José Pacheco Pereira reclama que “o grau de agressividade pessoal nas cidades, em particular em Lisboa, está cada vez maior”. Claro, reclama do trânsito, onde cada vez mais se buzina nos semáforos e insultos e ameaças gritadas por motoristas tornam-se comuns. Todos impacientes e agressivos.
Diz também: “Basta ver as redes sociais, principalmente o Facebook ou até o Instagram, que passou a ser palco da mesma batalha campal… Ninguém pode dar uma opinião contrária aquela que a outra pessoa comentou já é insultado na hora, ou respondido com uma certa ironia, que dá azo a uma discussão mais acesa…”
E quem nunca passou por isso? Quem nunca perdeu o sono por discutir com uma pessoa que mal conhece, isso se conhece, em uma discussão áspera onde não raro são disparadas ofensas pessoais?
Como não estávamos no ex-Twitter ou presos em algum aplicativo de celular, andamos mais um pouco após o café. Paramos em uma ótica/relojoaria, pois a haste dos meus óculos havia quebrado naquela manhã.
Lá, um estabelecimento familiar, enquanto o pai fazia o serviço, o filho desatou a contar histórias de sua infância. Como ele dizia, “sempre fui gordinho” e contou suas desventuras ao praticar esportes, relatos pueris. Ouvimos do dia em que ele deu um golpe “que nem Bruce Lee dava” e deixou o rival estatelado no chão para o horror de todos que se assustaram com a violência. Aquele foi seu último dia no tatame.
Rimos com gosto, todos presentes, das várias desventuras dele. Saímos todos de alma leve, ainda rindo das histórias de uma pessoa que sequer sabíamos o nome. Continuamos rindo pela calçada afora. E se conto essa história tão do dia a dia como café com leite e pão de manteiga é porque acho que é disso que preciso falar e isso que preciso viver. Menos telas e redes sociais e mais rir com desconhecidos, mais caminhadas e conversas sem rumo definido entre pais e filhos. Mesmo diante de tantos conflitos pelo mundo, da realidade real ou virtual tóxicas, da agressividade exposta no cotidiano, sonho com o dia em que todos possam caminhar sem medo com quem amam.
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