Estive lendo sobre a fábula do Anel de Giges e resolvi compartilhar com você este “experimento mental”, uma reflexão sobre ética e comportamento humano. A história começa quando ocorre um terremoto e abre-se uma fenda no solo, o que permite que Giges, um camponês que estava nas proximidades, entre nesta fenda e encontre o cadáver de um homem com um anel no dedo. Giges apanha o anel e o coloca em seu dedo. Quando ele estava numa assembleia dos camponeses, ele começa a girar o anel no dedo e percebe que, quando girava o anel para o interior da mão, as pessoas começavam a falar dele como se ele não estivesse no recinto. Girava novamente e falavam com ele. Descobriu então que, ao colocar o anel para o lado interior da mão, ele se tornava invisível. Foi então que teve a ideia de se candidatar a representante dos camponeses para ir falar com o rei. Foi eleito e lá chegando, usou o poder do anel para seduzir a rainha, matou o rei e assumiu o trono. Esta história consta em “A República”, livro 2, de Platão.
A pergunta que eu faço é a seguinte: “o que você faria hoje se tivesse este anel em seu poder?”. E se tivesse o anel, você contaria para os outros o que você iria fazer? Lembrando que você poderia ir aonde desejasse, obter o que quisesse, ouvir as conversas de quem lhe interessasse, talvez seduzir a pessoa desejada, soltar alguém da prisão, fazer qualquer coisa que tivesse vontade e ainda, fazer tudo isto com certeza da impunidade, sem risco de punição da lei e nem o juízo moral das outras pessoas, pois estaria invisível. É a tal “transparência física e nudez moral”.
Você não precisa responder para mim, responda para você mesmo. Eu acredito que muitos leitores dirão que não fariam nada diferente do que fazem sendo visíveis, do que fazem hoje. Sem a possibilidade de ter o anel, eu me sinto muito confortável em dizer o mesmo, não faria nada diferente da maneira que me comporto hoje. Mas, com o anel no dedo, não sei. Vou confessar que eu não queria ter este anel de jeito nenhum, porque tendo todo este poder, temo que poderia surgir o tal monstro que existe dentro de nós, sei lá. E se outras pessoas soubessem que eu estava com anel, quantos pedidos e pressões receberia? Seria muito pior do que ganhar sozinho na loteria e ficar com medo de que os outros descubram e que te peçam dinheiro, que puxem teu saco ou pior ainda, que te sequestrem para pedir o resgate.
Gostei muito da palestra de Eduardo Giannetti no Café Filosófico de 5 de março de 2023 (parte 1). Ele é autor do livro lançado em 2021 com o título “Anel de Giges”, onde ele faz uma reflexão entre ser e parecer. Uso o conteúdo da sua palestra neste texto. Giannetti relata duas evidências empíricas do comportamento das pessoas, uma é da pessoa muito pobre que encontra uma carteira com dinheiro e fica no dilema de devolver ou não. Este tema já dividiu a opinião pública recentemente. O outro exemplo é o dos diplomatas da ONU que utilizam a placa “D”, que lhes dá o direito de não pagar as infrações cometidas no trânsito. Eu acredito que todos nós devolveríamos a carteira com dinheiro ao seu dono, mas não tenho tanta certeza de que, se usufruíssemos do direito de não pagar as infrações do trânsito, que não as cometeríamos.
Mais adiante o Eduardo Giannetti questiona se o Anel de Giges faria as pessoas mais felizes? Ele responde usando o exemplo do gol do Maradona, feito com a mão e o gol do Pelé, feito com a cabeça. Qual dos dois se sentiu mais feliz ao fazer o gol? Platão associava felicidade e ética, portanto, deduz-se que Pelé ficaria mais feliz ao fazer o gol. A felicidade do anel de Giges seria o gol de mão. Este exercício é para analisarmos, ou melhor, para nos questionarmos sobre os nossos valores. Que tipo de pessoa nos tornaríamos com este anel? Será que nós somos realmente o que parecemos para os outros? Ou somos quem pensamos ser? Responda aí para você.
Referências:
– Café Filosófico – O Anel de Giges: lições de ética dos gregos aos nossos dias – Parte 1.
– Livro O Anel de Giges. Eduardo Giannetti. Editora Companhia das Letras, 2021.