Cansaço, ansiedade, sinais de depressão, desilusão e uma profunda sensação de estarmos desconectadas com nossos desejos. Não precisa ir muito longe. Pergunte para as mulheres da família, pergunte para as amigas, para as companheiras de trabalho.
Nós, mulheres, vivemos cansadas!
Cuidar de filhos cansa.
Cuidar de casa cansa.
Cuidar de pessoas doentes cansa.
Planejar e supervisionar a rotina da família cansa.
Cuidar de tudo isso e ainda cuidar da carreira cansa ainda mais.
Nesta rotina de cuidados que nos delegaram, acabamos deixando nosso autocuidado em segundo plano, e isso mais do que nos cansar, nos esgota.
Culturalmente nos incutiram o papel de cuidadoras. Fomos criadas assim. Rotina da casa, compra de alimentos e preparação das refeições, limpar, lavar, estender e guardar roupas, fazer tarefas com os filhos, cuidar da família, cuidar dos doentes. Estas e tantas outras responsabilidades nos são impostas por regras tácitas de uma sociedade que definiu que há funções de homens e outras que cabe às mulheres.
Vivemos em jornadas duplas, triplas ou contínuas, que exigem de nós um grau de comprometimento quase integral e altamente desgastante.
Nossas frustrações, tristezas, decepções, quase sempre reveladas entre amigas, vêm agora tomando outra dimensão através de pesquisas e relatórios que escancararam a insatisfação das mulheres com vários aspectos da vida. Estamos esgotadas e queremos que todos saibam.
Estive esta semana almoçando com duas amigas. Era para ser um almoço de planejamento de um novo projeto, contudo, entre nossas discussões sobre planilhas e orçamentos, não conseguimos fugir de comentários sobre filhos, casa, colégios e tarefas domésticas. Íamos e voltávamos ao tema, e assim nos entendíamos, como geralmente se entendem as mulheres. Nossas dores são compartilhadas.
Estamos acostumadas a fazer tudo e mais um pouco. Não é exagero. Nós passamos boa parte de nossas vidas tentando manter a saúde física e mental, que é constantemente confrontada com a sobrecarga de responsabilidades dentro e fora de casa.
Sim, acumulamos tarefas, e muitas delas pouco valorizadas.
Só recentemente conheci o termo Economia do Cuidado, que reúne em uma categoria o trabalho invisível, contínuo e incessante que move o mundo e que é maioritariamente realizado por mulheres.
Cuidar não cabe ao feminino por instinto, é, também, uma construção social passada de geração para geração: mulheres cuidam.
O impacto deste papel na nossa realidade é imenso: amplia as desigualdades de renda, precariza as condições de vida em todos os âmbitos e ainda causa estresse, estafa, depressão, entre outros problemas para a saúde.
Lutamos muito por igualdade, por valorização e oportunidades, mas por trás destas conquistas há milhares de mulheres fragilizadas e adoentadas. Mentalmente adoecidas pela sensação de nunca ser suficiente.
O relatório Economia do Cuidado da Organização Think Olga oferece um panorama detalhado sobre o tema e seus matizes e busca sensibilizar a sociedade sobre esse trabalho invisível, assim como fomentar lideranças que auxiliem nas mudanças tão necessárias.
Dentre outras tantas pesquisas, também vale ressaltar o estudo de Claudia Goldin, Nobel da Economia de 2023, que discorre sobre as raízes das disparidades de gênero no mundo profissional ao mostrar que a realidade da mulher no mercado de trabalho envolve fatores como sociedade, cultura, família, tempo.
O estudo revela, por exemplo, que depois da chegada do primeiro filho, a disparidade salarial entre os gêneros sobe de 8% para 27%. Mulheres são, ao mesmo tempo, exaltadas pela capacidade de realização de múltiplas tarefas, e penalizadas pela mesma razão, em uma complexa teia de habilidades e competências, que no caso das mulheres precisa ser mais flexível, porém não é. Os links para estes dois estudos estão disponíveis no final do texto. Se o assunto te provoca, estimulo que leia e faça suas próprias considerações. O material é vasto.
Por aqui, quero seguir algumas linhas mais abordando de forma mais pessoal o conhecimento empírico que tenho sobre o tema.
Sou neta de uma mulher que teve oito filhos e os criou praticamente sozinha, pois o marido passava longas temporadas longe de casa à trabalho. A ajuda que minha avó teve, veio também de outras mulheres. Nem ela, nem as outras cuidadoras tiveram tempo para estudar ou ter um trabalho formal.
Sou filha de uma mulher que só conseguiu o primeiro trabalho quando se separou após 25 anos de casamento. Meu pai sempre deixou claro que os cuidados com a casa e com os filhos eram responsabilidade dela. Ela conta que queria ter sido atriz. Conseguiu graduar-se em Psicologia.
Eu consegui avançar um pouco mais. Tenho dois diplomas, pós-graduação e consegui alguma projeção profissional. Realizada? Não completamente, sinto que poderia ter ido mais além, mas as decisões que tomamos na nossa vida em família me fizeram abrir mão de alguns sonhos. Não foi nada fácil conciliar a vida laboral com a rotina de uma casa com três filhos, especialmente porque decidimos morar fora do Brasil, e a rede de apoio neste caso é muito mais difícil.
Somos três mulheres, de três gerações, distanciadas pelas conquistas, porém unidas pelo estigma da mulher cuidadora, que de alguma forma nos afastou dos nossos desejos.
Isso não é uma crítica, não é uma acusação, é somente um convite à reflexão. De nada adianta lutarmos tanto por uma equidade de posições, remunerações e responsabilidades, se não houver uma mudança na estrutura.
De nada adianta homens dizerem “É só pedir que eu faço!”
Nós não queremos ter que pedir, porque pedir também dá trabalho.
Vai lá e faz, pois não é necessário ter pós-graduação em funcionamento da máquina de lavar para colocar as roupas para bater. Só não esquece de separar por cores, tá?
Links
- Claudia Goldin / A realidade da mulher no mercado de trabalho
Nobel de Economia de 2023 desvenda a realidade da mulher no mercado de trabalho
- Think Olga /Economia do Cuidado
Foto da Capa: Freepik