Estamos presenciando e vivenciando aqui, no Rio Grande do Sul, um dos eventos extremos das mudanças climáticas, previstos cientificamente e incansavelmente alertados há pelo menos, 50 anos. Os dados do IPCC – Painel intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – trazem embasamento científico suficientes para mudarmos nossa relação com a natureza. Mas não é o que acontece.
Desde 1994, ocorre a Conferência das Partes, da ONU, cuja 30ª edição acontecerá em 2025, na cidade de Belém/PA. Um número expressivo de entidades e organizações não-governamentais ambientais vêm trabalhando incansavelmente, tentando, além de alertar, proteger e salvar nosso planeta. Citando apenas algumas: o Greenpeace, o Fridays for Future, o Climate Reality Project, e, aqui no Brasil, o Centro Brasil no Clima, entre outros tantos. Das conferências ambientais mundiais, onde a Rio-92 e a Rio+20 aconteceram aqui no Brasil, muitos e importantes documentos foram produzidos, como o Protocolo de Kyoto, durante a 3ª Conferência das Partes, ocorrida no Japão, e implementado em 2005, propondo metas de redução das emissões dos gases do efeito estufa, Agenda 21 e Agenda 2030.
Também, em 2015, foi aprovado o Acordo de Paris, cujo objetivo principal é limitar o aumento da temperatura mundial a 1,5°C. Também os objetivos do milênio foram ampliados para os 17 ODS, onde o ODS 13 conclama “Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos”. Com certeza, muitas propostas e mudanças e já foram conquistadas, mas não o suficiente para evitar que estes eventos extremos aconteçam, como os que, nos últimos anos, estamos assistindo: a onda de calor que está ocorrendo neste momento, maio/2024, no México, com temperaturas superiores a 45°C, e que já matou, pelo menos, 48 pessoas, além de dezenas de bugios.
Sei o quanto é complexo e difícil modificar a cultura, principalmente a nossa, que é uma sociedade consumista, que promove o consumo excessivo agora e a qualquer custo. Atrelado a este modo de vida destruidor e egoísta, convivemos com um crescente desmonte da política ambiental, com propostas de extinção de órgãos responsáveis, de áreas de preservação e, até mesmo, de legislação específica, conquistada com tanta dificuldade.
Como ter um desenvolvimento sustentável e preservar os recursos para as futuras gerações, com uma cultura imediatista, consumista, destruidora e egoísta?
Está mais do que na hora de desenvolvermos outra cultura, pelo menos, que permita a nossa sobrevivência. Uma cultura que tenha o respeito como pauta. Respeito à humanidade, à justiça, à equidade. Respeito à natureza, aos animais e a todas as formas de vida, respeito à biodiversidade, à diversidade.
Para desenvolver uma cultura baseada em sustentabilidade, de forma que consigamos fazer escolhas assertivas nas relações que mantemos com o planeta, a educação é fundamental. Especificamente a educação ambiental. É através da educação que transmitimos valores e conhecimentos para as futuras gerações, formando, assim, tradições culturais. Como podemos não produzir resíduo, se não temos esta “tradição” desenvolvida culturalmente? Muito menos o hábito do descarte adequado, com consciência ambiental, social e econômica.
Como podemos optar por gerar menos carbono, se este não é um valor transmitido? Sendo poucos os que compreendem quais produtos e serviços procuram mitigar a emissão dos gases do efeito estufa.
À luz da legislação, a educação ambiental nas escolas só pode ser desenvolvida através de ações e projetos multidisciplinares ou transversais, mas que, muitas vezes, são rasos, quer seja pela pouca formação dos professores, quer seja pela pouca importância que os gestores dão a ela. Afinal, também não tiveram uma formação cultural em sustentabilidade.
Ainda assim, algumas escolas levam muito a sério a educação climática. O Movimento Escolas pelo Clima, criado e coordenado pela Reconectta, oferece curadoria e apoio, através de orientações e projetos para que as escolas desenvolvam educação climática de qualidade. Atualmente. A Reconectta conta com 1031 escolas signatárias em todo Brasil, 17 no Rio Grande do Sul, sendo 8 em Porto Alegre. Segundo dados do censo escolar do IBGE/2023, no Brasil temos 267.867 escolas, 13.638 escolas gaúchas, sendo 1152 em Porto Alegre. Obviamente que este movimento é somente uma das redes de apoio pedagógico ambiental, mas mostra que ainda estamos muito aquém do que devemos.
Convivo presencial ou virtualmente com pessoas e entidades que, se ainda não tem, estão em busca de desenvolver uma cultura de sustentabilidade. Como integrante do Poa Inquieta “Crise Climática” e “Sustentável”, compartilho basicamente dos mesmos valores que os demais integrantes. Cada postagem reforça as nossas crenças, temores e anseios em relação ao nosso planeta e todas as relações com ele envolvidas. Nestes grupos, são integrantes também pessoas com história na preservação ambiental gaúcha e porto alegrense, e que muito me inspiraram. Sou bióloga, professora e educadora, que nos últimos anos vem desenvolvendo projetos educacionais de sustentabilidade e educação ambiental. Me tornei líder climática do Climate Reality Project, integrante do Núcleo/RS, sou facilitadora do Mural do Clima, signatária do Movimento ODS/RS.
Atualmente estou coordenadora pedagógica de uma instituição de ensino que realmente incentiva e acredita na educação ambiental. No nosso país, onde, segundo o PISA – Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes, uma pesquisa mundial com alunos de 15 anos, realizada para avaliar o sistema de ensino dos países, no desempenho de matemática, leitura e ciências, os estudantes brasileiros tiveram resultados inferiores à média, mesmo que, no currículo escolar, o componente disciplinar de matemática seja desenvolvido por 5 a 6 períodos semanais nas escolas de todo o território brasileiro; ciências, de 2 a 3 períodos/semana e leitura, diariamente.
Como podemos desenvolver cultura em sustentabilidade, compreender o mundo em que vivemos e agir para o mundo que queremos, sem contemplar mais e de forma profunda a educação ambiental? Ou mesmo mitigar os efeitos das mudanças climáticas, sem conhecimento específico?
Como podemos formar os gestores do futuro muito próximo, sem conhecimento forte e visão ampla da realidade climática, que é urgente?
Trabalhar uma disciplina de educação climática é essencial, compreender que compostagem, economia circular, tempo de vida dos materiais, descarte correto, proteção dos biomas estão diretamente relacionados às mudanças climáticas.
Nas grandes cidades, as crianças estão emparedadas, mantidas em cárceres de cimento, desembalando os seus lanches, ao invés de descascá-los. Precisamos, em todas as escolas do território nacional, que as crianças convivam com a natureza, ao ar livre. Que leiam o mundo e que desenvolvam a criatividade através de elementos naturais. Richard Louv, em seu livro “A Última Criança da Natureza”, explica o “transtorno de déficit da natureza”, onde as crianças sem natureza estão sedentárias, com tendência à obesidade, diabetes e ansiedade. Traz, ainda, pesquisas mostrando que o contato com a natureza traz bem-estar físico e emocional. Entretanto, temos que ir além, o contato com a natureza é essencial para desenvolvermos os valores importantes de pertencimento à ela, de forma que se torne “tradição” cultural amar a natureza e estabelecer vínculos. É fundamental que nos mantenhamos conectados: Somos a natureza!
Compreender, desde as séries iniciais, que é do solo do nosso planeta que retiramos todos os materiais com os quais fabricamos as nossas necessidades é desenvolver cultura pró-ambiente. É formar a “tradição” de respeitar e valorizar o solo, de onde retiramos a nossa comida, os minérios, onde corre a água que nos dá vida e nos transporta, preservando-o significativamente.
Precisamos fortalecer uma educação ambiental e climática forte, robusta, eficiente, proporcionando conhecimentos vitais e que desenvolva uma cultura em sustentabilidade, promovendo a cidadania de forma que estas “tradições” nos levem às escolhas assertivas e que, inclusive, sejam pauta também na hora de votar. A educação ambiental pode e deve ser considerada como educação para a sobrevivência humana.
*Cláudia Padão Rovani: Bióloga, professora e educadora, participa dos spins de “Sustentável” e “Crise Climática” do Poa Inquieta. Coordenadora de projetos educacionais de sustentabilidade, líder climática do Climate Reality Project, integrante do Núcleo/RS e facilitadora do Mural do Clima. Coordenadora Pedagógica no Colégio São Judas Tadeu, Porto Alegre/RS.
Foto da Capa: Ascom/PA
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