Inicio a participação do coletivo POA Inquieta nesse espaço orquestrado pelo Luiz Fernando Moraes trazendo informações sobre o processo de construção do Congresso Popular de Educação para Cidadania. A iniciativa, puxada pelos coletivos Ponta Cidadania e POA Inquieta, tem realizado encontros em distintos lugares da cidade, reunindo gente da periferia, do centro e de bairros mais abastados.
A ideia é trocar experiências, aprender uns com os outros. Mas, principalmente, escutar quem não tem tido voz na sociedade. E, a partir dos laços mais fortalecidos, estamos percebendo o quanto a periferia tem a nos ensinar.
Conforme o encontro mais recente, realizado no CTG Estância Pasqualetto, no Morro da Cruz, o evento será realizado nos dias 27 e 28 de agosto em local a ser definido. Toda mobilização, até o momento, foi realizada por voluntários, pessoas que empregam seu tempo, recursos e conseguem doações para viabilizar os encontros. O transporte daqueles que têm dificuldade em se locomover também está sendo custeado entre os participantes.
Estive em dois dos maiores encontros, um realizado no Nau Live Space, no final de abril, e outro no CTG do Morro da Cruz, em 25 de junho. Em ambos foi possível sentir a alegria dos participantes em se darem por conta que há gente conseguindo driblar dificuldades, unir esforços para melhorar as condições de vida de tanta gente.
No CTG, apresentação de mais de 40 casais de crianças e jovens dos quatro a 17 anos, marcou o sábado frio e ventoso, cujo objetivo foi trocar ideias, conversar, escutar sobre o que deveria ter e ser o Congresso, que tem como objetivo levantar demandas e escutar a voz de comunidades distintas de Porto Alegre. A participação do grupo Gurizada Campeira nas rodas de conversa também foi enriquecedora. Sem falar que eles ajudaram na identificação de quem chegava, na organização do espaço, na limpeza de coisas na cozinha. Uma meninada aguerrida que deu exemplos de como o contexto pode ficar melhor se convergirmos esforços para um objetivo comum. A programação foi intensa desde às 9h ao final da tarde, com realização de uma festa junina com direito a pipoca, cachorro-quente e fogueira.
Já no Nau, foi o primeiro grande encontro entre pessoas que não se conheciam. Foi mágico. Quase uma dezena de pessoas escorreu lágrimas dos olhos de tantos depoimentos comoventes que brotaram da roda de conversa. Fundamental para estabelecer laços de confiança. Foi servido um almoço para os participantes, assim como oferecido transporte também para que tinha dificuldade de chegar de áreas distantes.
Para mim, o congresso já está acontecendo, pois muitas questões já estão eclodindo. No Nau, se perguntou para participantes, divididos em grupos: o que é Cidadania? No Morro da Cruz, que congresso o pessoal espera? A cada encontro, novos insights e percepções do quanto é preciso fortalecer o que já foi referência na capital onde nasceu o orçamento participativo.
Selecionei alguns depoimentos de participantes sobre os encontros para terem uma noção de como estabelecer uma rede de cocriação exige cuidados e afetos.
“Foi um encontro maravilhoso, onde nós conseguimos nos enxergar, conseguimos pensar e organizar realmente a cidadania. A cidade é de todos nós, mas a cidade tem que nos ouvir, nos escutar. E o POA Inquieta nesse momento muito interessante traz as comunidades, traz as lideranças para fazer esse diálogo fraterno, olhando para todos os lados, para as necessidades, puxando a galera para conversar sobre a educação para a cidadania”, resume Beatriz Gonçalves Pereira, também conhecida como Bia das Ilhas. Ela ficou mais conhecida depois que seu rosto foi pintado no prédio da PGR por artistas muralistas. Ela participou do evento no Nau.
“O encontro foi de mobilização, para debatermos qual é o denominador comum sobre o que é o congresso e qual o nosso propósito. Muito do nosso desejo, da nossa vontade de reunir e fortalecer essa rede de comunidades. E se preparar para agosto tirar um documento coletivo sobre o fortalecimento dos trabalhos comunitários. O tema central é educação para cidadania, um tema muito importante, onde cada um ajudou de uma forma. Mesmo a galera que não tinha muito recurso trouxe a sua contribuição. Foi um momento muito rico, muito bonito de construção, que vai culminar nesse congresso em agosto. A gente está na expectativa e muito feliz também,” Negra Jaque, liderança do Morro da Cruz.
“Desde o primeiro encontro no Nau, nós do POA Inquieta tivemos aulas. Desde lá já fiquei em “modo aprendizagem”. O que ouvi de lideranças comunitárias ou de apenas moradores dos bairros periféricos me deixou encantada com a capacidade de se expressarem de modo autêntico e do engajamento e da luta pela melhoria da vida deles e dos seus. São aulas de cidadania, com professores sem formação acadêmica ou “coaching”. Eles ensinam como superam as adversidades impostas por uma sociedade injusta, a que não se submeteram a aceitar como normal. Eu escutei cada um com a humildade de quem tem muito a aprender. Para mim, o congresso já começou e quero que ele continue, para que permaneçamos aprendendo. As lições para a transformação que precisamos para alcançar uma cidade cidadã só pode vir deles. E garanto: chegaram em mim com doses generosas de carinho e sabedoria, como nesse sábado maravilhoso no Morro da Cruz. Aluna Cris Löff presente!”
Exemplo de Medellín
Vale lembrar que o POA Inquieta se inspira nas experiências de Medellín. A capital da Antioquia, na Colômbia, deixou de ser uma das mais perigosas para ser uma das mais criativas do mundo em pouco menos de 20 anos. Grupos do POA Inquieta já estiveram na cidade acompanhando a transformação da cidade. Uma das atividades que embasou a transformação das comunidades colombianas foram as rodas de conversa. Mas com uma construção coletiva ‘a passos de tartaruga’, como reforça Santiago Uribe, o antropólogo que acompanhou esse processo de perto na Colômbia e que tem recebido grupos do POA Inquieta nos últimos anos. O coletivo vem realizando rodas desde sua criação, em 2018. Espaços de troca onde se procura sempre estabelecer o respeito e a escuta. Tenho aprendido muito a conviver com pessoas bem diferentes de mim. Esse é um dos propósitos do POA Inquieta, estabelecer relações para que possamos melhorar a cidade onde moramos. Porto Alegre e todos nós só temos a ganhar com tudo isso.
*Sílvia Marcuzzo, jornalista, é colunista da Sler e curadora desse espaço do POA Inquieta. Articuladora dos spins Sustentável, Resíduos, Moda Sustentável, Plantio/Clima e Orgânicos do POA Inquieta. Saiba mais em www.poainquieta.com.br