Você já notou que os homens possuem um “crachazinho” de convidado VIP em todos os eventos da vida? Freud explicou esse comportamento quando observou o falo como poder e centro do desejo. Convenhamos que para o século XIX, fazia muito sentido.
Hoje não mais.
Começo abordando rapidamente a história de Adão e Eva, a mulher colocada como a grande vilã do paraíso, pois comeu o fruto proibido e abriu as portas do inferno. A história contada na passagem bíblica favorece o comportamento do homem obediente em detrimento de Eva que precisa de orientação, pois não sabe o que faz. Uma ótica perversa confirmada pela Igreja (Surpresos? Espero que não!). Maria Madalena que o diga, ela se destaca no contexto da época em que viveu, mas a história contada é outra…
Quando penso em alguns exemplos da fluidez em que o comportamento patriarcal é aplicado percebo situações cotidianas que soam engraçadas por tamanha falta de noção. Um exemplo clássico ocorre no transporte coletivo. Há espaço para duas pessoas, no entanto alguns homens sentam com as pernas abertas ocupando todo o lugar como se tivessem dois falos enormes (Te amo, Freud. Não puxa meu pé a noite, risos). Essa situação pode ser ampliada para todo e qualquer espaço que proporcione assentos coletivos. Assim como o “hábito” masculino de confundir gentileza com flerte, quando um mero bom dia já é um atestado de que estamos interessadas.
Nós mulheres somos capturadas e reproduzimos o pensamento coletivo de que os homens são o suprassumo do planeta de forma tão concreta, que reproduzimos a lógica da introjeção da culpa no feminino. Aquela famosa expressão: “Vocês são as culpadas, pois os homens são criados por vocês.”
Isso é muito sério!
Há quem diga que não precisamos do movimento feminista e eu questiono o porquê, já que o objetivo não é “transformar” as mulheres em homens, lutar pela igualdade de direitos, é um movimento político.
Ser mulher é um ato revolucionário.
Viver em nossos corpos, ter a liberdade de sair na rua, usar a roupa que quiser, conversar sobre diversos temas independentemente da interpretação dos homens e viver o dia a dia. Para a filosofia, o movimento que dissolve, cria e transforma todas as realidades existentes é chamado de Devir. Existem várias formas de ser mulher, cada uma de nós tem o seu “Devir mulher” uma experiência individual, profunda, possível e desafiadora.
Ei mulher, pode ser que este texto com pitadas reflexivas sobre comportamento pareça um absurdo. Talvez sua subjetividade tenha sido capturada por essa construção social e está tudo bem se quiser seguir. Quero que saiba que existem outras formas de viver sua individualidade.
Homens, agora o papo é com vocês. Espero que tenham descido de seus tronos e lido este texto até aqui. Existem outras formas de pensar e agir, sabiam? O mundo ainda é de vocês, mas entendam que as mulheres não são mais as mesmas, sabemos que é possível o enfrentamento.
Não estou incitando uma guerra, longe de mim. Proponho revisão de conduta. Estou falando sobre vida real e de ciclos que podem ser fechados ou repaginados. Pensem fora de seus privilégios, por mais difícil que seja e estudem a reação das pessoas a sua volta. Observem como as atitudes e expressões faciais denunciam o desconforto ou o prazer em uma abordagem. Lembrem-se que “não é não” e para chegar a esta resposta ou a uma expressão positiva não existe outro caminho senão perguntar, pedir permissão. O mundo assistiu a poucos dias um beijo não consensual dado por Luis Rubiales, presidente da Federação Espanhola de Futebol, na jogadora Jenni Hermoso durante a entrega de medalhas na final da Copa do Mundo feminina, na Austrália, da qual a Espanha foi campeã. Quando questionado, o dirigente interpretou como um comportamento eufórico afirmando que houve consentimento. A jogadora, por sua vez, alega vulnerabilidade e que foi violentada. Diante disso questiono se houve tempo de diálogo no momento do encontro para que se estabeleçam limites. Bem possível que não.
Propor mudança desta dinâmica patriarcal faz sentido pra você? Tenho como objetivo propor questionamentos e revisão de conceitos, pensamentos lineares promovem rigidez de ideias e uma sociedade contemporânea exige mais. Rever comportamentos é possível, a prática promove vínculos saudáveis ou não. Saberemos a resposta ao longo do processo.
Jennifer Cereja é mãe, ativista, psicóloga e palestrante. Trabalha em consultório, apaixonada pela clínica e os atravessamentos que a prática proporciona. As escrevivências, como diz Conceição Evaristo, tem o olhar afrocentrado sempre considerando o indivíduo como protagonista de sua história.