A chuva é um personagem na capital federal do Brasil. Ao longo do dia, no período de novembro a abril, a chuva cai forte em vários momentos, sem aviso. Lembro da primeira vez em que passei uma temporada em Brasília. Como não sou amiga do guarda-chuva, cansei de sair de casa arrumadinha, cabelo escovado, roupa seca e voltar encharcada.
Confesso que prefiro a época de seca na região do Cerrado, onde fica o Distrito Federal, apesar de a baixa umidade do ar muitas vezes provocar mal-estar, em especial no alto verão. Mas o fato é que a chuva é tema de sociabilidade típico de Brasília. Não há quem não tenha um perrengue de chuva para contar no elevador, parada de ônibus ou sala de espera.
Vou contar o meu último. Era noite de evento social, um coquetel com traje alto esporte. Vida de jornalista é assim, um dia de bota de borracha e pé na lama, e outro, de salto alto e glamour. Juro que era trabalho. Me preparei devidamente: vestido, bolsa, salto e cabelo escovado. Tudo perfeito, apesar da umidade que deixava aquele frizz indesejado no cabelo. Mas não podia reclamar, para época de chuva, em Brasília, o frizz é o menor dos problemas.
Contente que a chuva havia dado uma trégua, decidi ir a pé até o local onde foi o evento. Brasília é provavelmente a cidade mais segura do Brasil. Lembro quando passei uma temporada na cidade, estacionava o carro e deixava a janela aberta para não esquentar demais. Eu não tinha medo de roubo do automóvel. Uma realidade bem diferente de Porto Alegre, onde moro hoje. Brasília tem seus encantos, a sensação de segurança é um deles. Mas a chuva…
A chuva não avisa antes de chegar. Ela está ali, sempre na espreita. Foi assim, eu tenho certeza. Ela esperou eu me arrumar, trabalhar bem o cabelo e o salto alto. Assim que ganhei segurança para seguir o meu caminho de uns 800 metros até o destino, ela decidiu aparecer. Faltavam uns 300 metros ou menos. Pois é, a cena é bem esta mesmo que você, caro leitor, está visualizando. Como não sou amiga do guarda-chuva, obviamente, não estava com um. Era eu e a chuva percorrendo juntas as ruas de Brasília.
Na primeira marquise à frente, busquei abrigo e proteção. O centro de convenções do coquetel estava ali, eu o enxergava, mas, para chegar, tomaria aquele banho. O cabelo já estava desajeitado, o sapato molhado. Mas eu estava tão pertinho! O final poderia ser o maior perrengue, mas não foi. Brasília tem outro encanto: a solidariedade entre as pessoas. A Clarisse, dona de um comércio na região, estava fechando a loja que ficava justamente na marquise em que me protegia. Com um guarda-chuva tamanho família, ela se dirigiu até mim e disse: ‘Vem, vamos juntas, eu te levo na carona”. E, graças à Clarisse, cheguei seca e salva no meu compromisso.
O meu causo prosaico de chuva em Brasília, às 19h, me faz lembrar o melhor do Brasil. Mesmo quando o cenário não é favorável, há pessoas, há solidariedade, há apoio mútuo. A regra é a cordialidade, a exceção é o ódio e o individualismo. É esta Brasília que eu desejo que transborde da capital federal e chegue a todos os cantos do nosso país, com chuva, com sol, com seca, em qualquer estação.
Foto da Capa: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil